domingo, 3 de abril de 2016

Fanatismo e Ponderação (II)



Ouvia muito entre grupos  de pessoas da (minha) juventude, discursos os mais variados. Entre o público adolescente, geralmente, as falas e opiniões  são calorosas, seguem o mesmo padrão do trecho da  canção  Paralelas, de Belchior: como é perversa a juventude no meu coração / que só entende o que é cruel / e o que paixão. Daí mais uma vez vem o aspecto conceitual do fanatismo.

Podemos dizer que fanatismo tende a aglutinar pessoas que, como os adolescentes, tem ainda a capacidade de ponderação prejudicada. Não raro, encontramos "tribos" de adolescentes reverenciando seus "deuses" contemporâneos. Quem são esses deuses? não são deuses nomináveis, mas entre suas determinações,  incluem-se trajes, linguagens, gírias, "posturas" e ídolos.


Pois fui jovem e, do mesmo modo, segui os ideais e reverenciei  osídolos de minha época, não tão diferentes  dos de hoje. Entre os grupos que conheci, havia uma ou outra pessoa que contava histórias mirabolantes, agradáveis de serem ouvidas - eram excelentes narradores - mas improváveis de serem fatos: contavam-me que Walt Disney não havia morrido, que o homem jamais pisou na lua,  que marcianos haviam pousado nos EUA. Tudo isso, ocorria na surdina, sem o conhecimento público, não se noticiava justamente para que não houvesse qualquer comoção e "perda do controle" das massas. Essas história me impressionavam me deixavam, por vezes, amedrontado,  muitas vezes me tirava o sono. Os narradores desses acontecimentos, estudavam ocultismo, ufologia e outras  teorias de conspiração. Havia algo de sedutor em ouvir essas histórias, por mais catastróficas que fossem, e penso que seja por essa sedução, que muitos outros  terminavam por levá-las a sério, e não eram poucos - basta lembrar que o cineasta Orson Welles, em programa de rádio intitulado de A Guerra dos Mundos, conseguiu convencer milhares de norte-americanos que o país estava sendo invadido por extraterrestres. Bobagem? Nem tanto, bobagens semelhantes inspiraram Cristovão Colombo a  atravessar o Atlântico (cujo nome é uma homenagem a Atlântida, igualmente imaginária) em busca dos "Jardins do Éden".
       

Somos seres tendentes ao fanatismo? De certo modo, sim. Freud em Psicologia das Massas alertou sobre esse tema  fazendo referências a busca do amparo, e da satisfação de nossos desejos através do sujeito que represente o Pai, o líder  - o Pai simbólico.   Freud ainda alertou, nesse conhecido texto, que o agrupamento humano tende a agir de forma mais infantilizada, impulsiva e observar os fenômenos de maneira mais passional que individualmente. Contudo, dentro de um grupo fanático nem todos são fanáticos de personalidade, pelo contrário, são uma minoria. Quando, por alguma razão,  o grupo é pulverizado por destituição de seus líderes, como ocorreu, por exemplo, na Alemanha Nazista,   o restabelecimento ou aceitação de um novo modelo realizou-se sem muitos vestígios do fanatismo, antes dominante.

Ainda nesses anos de juventude apaixonada, li numa revista semanal a frase de Millôr Fernandes:" os extremos se assemelham e se encontram no infinito".  A frase era naturalmente uma paródia dos preceitos da geometria euclidiana, que em verdade trata dos pontos paralelos. Millôr deu uma visão circular, embora matematicamente inviável, que muito me impressionou. Faz sentido: a extrema esquerda e a extrema direita, por exemplo, se assemelham em atos, mesmo que sejam discursos completamente diferentes mas que culminam na frase: "os fins justificam os meios" - o fascismo ou o nacional-socialismo é fruto desse encontro de extremos.  Em tudo que observamos no discurso fanático ou extremista, quando se trata de política, por exemplo, é a tentativa paradoxal, como ironizou o esquecido cronista Stanislaw Ponte Preta, de fazer a democracia com as próprias mãos.

Não sou religioso e conheço pouco da religião menos ainda de religião oriental, mas há uma frase atribuída a Buda que talvez seja uma das alternativas de se enredar menos ao fanatismo: "a sabedoria está no caminho do meio" do qual traduzo no caminho da ponderação.


                                                                                  Marcos Creder

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