domingo, 17 de abril de 2016

A Droga Boa




‘Há uma frase atribuída ao músico Bob Dylan no mínimo inusitada: ou se está apaixonado ou se é inteligente. Frase com bom (ou mal) humor, ironia  ou sarcasmo, mas que, de certo modo, traz à tona a velha discussão sobre a paixão e os atos impensados desse "estado de espírito. A própria palavra paixão em sua etimologia,  remete a várias ambiguidades: de origem grega, páthos se traduz em paixão tal como a conhecemos, no sentido próximo do amoroso; contudo, vai mais além,   significando, por outro lado, sofrimento e doença. As palavras “apaixonar” e “padecer” são palavras primas, quase irmãs. O fato, com essa pequena constatação,  é de que, apesar  de  se desejar  da paixão alegria e prazer, no cerne desse sentir, encontram-se tanto a satisfação como o sofrimento. Se para alguns filósofos o bem-estar, ou a felicidade, encontra-se no distanciamento da dor e na aproximação do prazer, para os apaixonados, abre-se um paradoxo: para haver algum prazer, paga-se o preço do sofrimento. Nessa ambiguidade surge uma questão, qual o sentido da paixão?



 Os apaixonados  apesar de terem suas vidas desorganizadas ou escravizadas pelo sofrimento, dificilmente deixam suas paixão de lado e se são forçados a deixá-la, quando fazem, fazem a contragosto, como se tivesse renunciado o que há de bom na vida, ou a vida em toda sua inteireza. Já ouvi relatos de pessoas que comparam o desejo da paixão à “fissura” da  dependência química. E talvez, seja por isso que muitos adictos em situações de grave dependência, dificilmente se apaixonam por outro– quando ficam abstinentes, contudo, apaixonam-se com muita velocidade e intensidade. Se a paixão é uma “droga boa”, como já ouvi de dependentes abstinentes, assim como uma droga, há riscos de "overdose, dano e risco de morte. Inclusive existem instituições colaborativas como o AA ou NA para os excessivamente apaixonados – que sofrem mais que os apaixonados “comuns”. Contudo,  a esses apaixonados comuns, persiste a ideia no  poema de Camões , “Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente”. Repito, então, a pergunta. Qual o sentido da paixão?



A humanidade tem um bons disfarces estéticos para as suas necessidades instintivas. Se se tem fome, não se vai mais, como no passado,  à caça aprisionar ou desferir golpes em animais. Vai-se a um restaurante, onde as pessoas sorriem, se confraternizam, comemoram datas importantes, mas no final o que vai ser servido – o que de fato importa – são os  alimentos, os mesmos que os nossos ancestrais, trituravam em redor de uma fogueira  produto. Precisamos comer, enfim. Do mesmo modo precisamos perpetuar a nossa espécie.  Schoppenhauer nas suas  reflexões tinha em mente que o sentido do amor, entre outras coisas, poderia se reduzida a essa necessidade de se perpertuar - pensamento que hoje talvez seja questionado por justamente haver relações diversas em que não se deixa herdeiros biológicos. Mas o sentido do amor seria para este filósofo algo, objetivo: precisa-se desejar outra pessoa, fazer escolhas para que, enfim, aconteça o que importa: gerar herdeiros. Nestas escolhas, segundo o filósofo, tende-se a selecionar no outro o que nos falta ou o que nos complementa, como se houvesse um desejo mágico de fazer do nosso herdeiro nossa imagem e semelhança melhorada. Se não houvesse esse desejo, não haveria paixão e não haveria humanidade. O terceiro que vem, fruto desse desejo, é o legado para nós humanos finitos. Se nossa forma de perpetuação fosse por divisão celular, como ocorre em micro-organismo, não haveria necessidade disso. Mas como o amor constatou a morte e a finitude, precisamos nos apaixonar.

Marcos Creder

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