Paul Auster é um escritor americano vivo e também roteirista de cinema bissexto. Autor de vários livros, alguns deles, inclusive, sucessos editoriais, tais como "Trilogia de Nova York".
Qual o lugar da perda de um pai na vida de um filho? Inicialmente, provavelmente, será a sensação de um vazio; depois, estranhamente, haverá de vir dúvidas: “será que o amei mesmo?’ ‘a quem amei?’ ‘ele me amou?” “a quem ele me amou?”. Talvez mais do que a inquietação da ausência física haja a inquietação da ausência das respostas.
Quem era esse pai que se escondia por detrás de suas inúmeras máscaras de convencionalismo e obrigações, e que sempre lhe escapou fugidio pelos meandros miúdos do cotidiano? A imagem edificada pelos anos de evitação era assim como que um retrato incompleto de uma pessoa, lembranças de um não-encontro: um pai lacunar.
O pai de Auster ficara órfão ainda na infância e este vazio que carregara trouxera-lhe um retorno no conhecer do filho. Um pai e um filho. Duas ausências. Dois estranhos. Um órfão de fato e o outro psíquico. Um pai cujo amor de seu pai lhe foi tirado aos sete anos e que assim só soube amar de maneira interrompida. Um filho cujo destino foi ser amado por um pai que só sabia amar um amor infantil. O filho cresceu. O pai não.
Em seu mergulho na memória a partir da morte do pai Auster abre seu baú de lembranças com a singela obviedade da existência: "Num dia há vida... E então, subitamente, acontece a morte'. No cascavilhar do escombros deixados pelo pai o autor/personagem expõe uma dais mais belas paginas da literatura contemporânea. O trecho abaixo que o diga por si mesmo:
"Não há nada mais terrível, aprendi então, do que ter de encarar os objetos de um morto. As coisas são inertes: Têm significado apenas em função da vida que as utiliza. Quando essa vida acaba, as coisas se transformam, mesmo que permaneçam as mesmas. Estão lá e no entanto não estão: fantasmas tangíveis, condenados a sobreviver num mundo a que não mais pertencem. O que se pode pensar, por exemplo, de um armário cheio de roupas esperando silenciosamente para ser usadas por um homem que não voltará a abrir a porta? Ou os pacotes de camisinhas espalhadas pelas gavetas repletas de cuecas e meias? Ou um barbeador elétrico aguardando no banheiro, ainda cheio de pêlos cortados da última barba? Ou uma dúzia de tubos vazios de tintura para cebelo, escondidos num sacola de viagem? - revelando subitamente coisas que não temos vontade de ver, nem desejo de saber. Há nisso certo sentimentalismo e também uma espécie de horror. Por si só, os objetos nada significaam, como os utensílio culinários de uma civilização desaparecida. E no entanto dizem-nos alguma coisa, parados ali não como objetos mas como resquícios de pensamentos, de consciência, emblemas da solidão na qual um homem passa a tomar decisões sobre si mesmo, se irá pintar o cabelo, se irá vestir esta ou aquela camisa, se irá viver, se irá morrer. E a futilidade de tudo isso quando vem a morte."
Quisera que os pais soubessem disso antes que o saber não lhes tivesse mais nenhuma valia. Conhecer-se por quem não é, é perder-se - diz o poeta. Haveria assim a chance em vida do compartilhamento e do encontro: do pai que se faz conhecer e conhece o filho, e um filho que conhecido se conhece ainda mais.
Joaquim Cesário de Mello
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