A ironia e a mordacidade dos aforismos de Oscar Wilde parecem brincadeiras com as palavras. Porém, embora com criativo sarcasmo, humor e com muita sátira, suas "brincadeiras" literárias são coisas sérias, uma verdadeira aula de alta literatura ("a verdade raras vezes é pura e nunca é simples"). Ele é praticamente insuperável neste estilo artístico. Na rapidez de suas frases Wilde se eternizou.
A sagacidade de seus aforismo e a profundidade de seus ensinamento é que nos levou neste momento a dedicar-lhe aqui um espaço sobre tal. Wilde foi um escritor atrevido e ousado, e a ferocidade com que ele nos cutuca é digna de destaque e reflexão. Se Fernando Pessoa dialoga com a interioridade e com o imaginário, Oscar Wilde dialoga com a hipocrisia social e a polêmica, tal quando diz: "todos estamos deitados na sarjeta, só que alguns estão olhando para as estrelas" ou quando provoca ao afirmar que "um homem pode ser feliz com qualquer mulher desde que não a ame". Ui!
O existencialismo professa que a existência prece a essência, por entender que nenhum ser humano é pré-definido, isto é, ele tem a liberdade e a responsabilidade pelo seu existir (viver). Como diz Sartre, "o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define". Quantos não têm medo de viver, viver realmente o que se é ou se pode ser? Quantos não vivem a vida atrofiados em suas interioridades e acabam sofrendo de sufocamentos da alma? Quantos não se encontram frente a sua existência como naqueles versos de Fernando Pessoa: "quantas aspirações, altas e nobres e lúcidas-/sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas-/e quem sabe realizáveis,/nunca verão a luz do sol real nem acharam ouvidos de gente?/O mundo é para quem nasce para o conquistar/e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão". O medo psicológico de viver faz-nos enferrujar a essência em uma existência superficial sobre a vida quase como se vegetal fôssemos.
Por isso sentencia Oscar Wilde: "seja você mesmo. Todas as outras personalidades já têm dono". Se a personalidade de uma pessoa é algo única e pessoal, contudo o que muitas vezes vemos é uma multidão de gente se comportando, pensando, gostando e sentindo de maneira igual. Há uma unidimensionalidade de pensamentos e atitudes, onde - como dizia Marcuse - anula a capacidade de se pensar criticamente. Se observarmos são pessoas acríticas, passivas e pouco ou quase nada reflexivas. Deixam-se guiar pelas ideias dos outros, em uma verdadeira espécie de "Maria vai com as outras". É difícil questionar a manada pelo risco de ser excluído ou pelo receio de não ser aceito. Quem sabe não esteja certo Rousseau quando afirmava que "o homem nasce livre, e, em toda parte, encontra-se acorrentado".
"Ser natural é a mais difícil das posses". É, não é fácil mesmo ser naturalmente você. Muitos vivem sentindo-se infeliz e com autoestima baixa, pela dificuldade de assumirem sua própria originalidade de ser quem se é. A vida não é um fato consumado, mas sim um potencial de vida. O viver humano não é uma xerox, pois a vida requer unicidade. Contrariar a sua própria natureza e tendência, reprimi-la, é abrir portas e janelas para adoecer psiquicamente. Ainda como diz Wilde, "só se põe a vida a perder quando ela para de evoluir". Nossa alma humana necessita sempre crescer e se expandir. Se pudéssemos viver quatrocentos anos, ainda assim teríamos muito a desenvolver e a evoluir. O teto de cada um é geralmente mais em cima do que nos acostumamos a nos cobrir.
Muitos aforismos são pequenas gotas de sabedoria e reflexão. Em sua diminuta forma de expressão pode nos levar a pensar mais seriamente sobre determinadas coisas, aliás sobre a nossa própria vida e existência. Sua brevidade não se mensura a sua profundidade. O que não dizer de um dos primeiros aforismos humanos vindo de Hipócrates que exclama: "ars longa, vita brevis". A história humana é cheia de aforismos e máximas. Desde o já citado grego Hipócrates ("para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos"), passando pelo imperador romano Marco Aurélio ("o homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo"), indo pelo filósofo Schopenhauer ("por toda a parte o homem encontra oposição, vive continuamente em luta, e morre segurando suas armas"), pela escritora Anaïs Nin ("não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos"), pelo poeta Fernando Pessoa ("não me venham com conclusões. A única conclusão é morrer"), por Jorge Luis Borges ("a dúvida é um dos nomes de inteligência") e Voltaire ("devemos julgar um homem mais pelas suas perguntas do que pelas suas respostas"), entre tantos que pelo mundo vai.
O escritor austríaco Karl Kraus foi feliz afirmando que "um aforismo não deve necessariamente ser verdadeiro, mas deve superar a verdade", afinal o gênero aforismo busca construir e desconstruir verdades absolutas ("tudo que é sólido se desmancha no ar", Karl Marx) e imutáveis. Literariamente tem a proposta de muitas vezes subverter a lógica usual ("uma gaiola saiu à procura de um pássaro", Kafka) e dialoga com as entrelinhas do se viver. Como escreveu Drummond de Andrade, "o aforismo constitui uma das maiores pretensões da inteligência: a de reger a vida".
Não vou aqui findar o assunto sem expor um aforismo meu, que é: "sou menor do que meus sonhos, e maior do que vejo no espelho".
Joaquim Cesário de Mello
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