domingo, 9 de agosto de 2015

"Os homens não melhoram e matam-se como percevejos"

Quando se está participando da formação dos jovens médicos, não necessariamente de psiquiatras, vê-se que há um interesse especial pelo saber da psiquiatria.  Esse interesse muitas vezes passa pelo aspecto do estranho e  do bizarro da condição humana,  e entre essas bizarrices, estão os comportamentos imprevisíveis, agressivos e auto-destrutivos dos portadores de transtornos psíquicos. Se se montasse uma nuvem, uma tag cloud ou  keywords  a partir das ideias relacionadas à psiquiatria, dentro da compreensão popular,  certamente viriam, sem dúvidas,  predominar as palavras: loucura, ansiedade, obsessão, suicídio, depressão, esquizofrenia,  hospício, irracionalidade, insensatez, e, principalmente, estariam em destaque as palavras, agressão, violência, psicopatia, crime.





Há sempre uma associação entre a psiquiatria e o submundo do crime e da violência - ou ainda, do horror. Isso muitas vezes é explorado no cinema ou na literatura, nos filmes de terror e suspense e nos livros da literatura fantástica, como se houvesse uma história natural, linear, entre o transtornos mentais  e o homicídio. O destaque que se dá as pessoas que cometem crimes em razão de transtorno mental - que é menos comum do que se imagina -  se sobrepõe aos crimes usuais do dia dia. A excentricidade faz a diferença para os que noticiam e para os que leem. Se algumas  pessoas são mortas após uma operação da polícia ou chacina de facções rivais numa comunidade, as noticias divulgadas sobre esse acontecimento as vezes tem pouca relevância , ao passo que se um portador de transtorno psíquico  cometer um ato de natureza homicida essas, certamente, ganham grandes destaques, a notícia se espalha , ou “viraliza” nas redes sociais,  e fará parte do repertório das conversas das pessoas  nos encontros sociais.  O resultado disso é o estigma que se cria em torno da psiquiatria e seu objeto. O hospício é a marca indélevel desse destino estigmatizante.




Na ocasião em que eu ministrava aulas práticas no Hospital Ulysses Pernambucano, a Tamarineira, nos primeiros dias do período, os alunos, apreensivos, vinham ao meu encontro, para saber como lidar com os pacientes. Alguns arrumavam atestados para deixarem de frequentar as aulas, outros falavam sem brio que temiam ser agredidos - essa agressão estava inscrita em duas hipóteses: a agressão física ou algum tipo de assédio sexual. Eu costumava tranquilizar os alunos alegando  que o risco de sofrerem uma agressão no hospital era menor que no percurso que levava da faculdade ao HUP - e não era exagero meu.


Habituou-se   a ligar a ideia do crime e  da morte violenta à loucura, mas isso é um grande engano. Mais de 96 % dos atos violentos ocorridos no mundo não há relação alguma com transtorno psíquico. Se se incluir o uso de substâncias psicoativas, lícita ou ilícita a tendência dos atos de violência  tende a se elevar ainda mais, fato que  se observa nas estatísticas de mortes violentas nos finais de semana. Não se deve confundir, contudo, uso de substancias psicoativas, de forma recreativa, que nada tem a ver com transtorno psíquico, com dependência química. Enfim, o argumento de que os loucos são assassinos é mais um mito da vida em comunidade. Em verdade, os homicídios transcendem muitos fatores e explicações lineares, são como parte da vida humana. como diz Carlos Drummond de Andrade
  
Os homens não melhoram

e matam-se como percevejos.


Marcos Creder

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