Que seja incerto enquanto dure.
"Na duvida, ninguém desespera" (JACOBSEN, Jens Peter. 2003, p. 65).
A primeira vez que li essa frase fiquei estarrecida com tamanha absurdidade, pois era comum a mim se corroer entre as diversas dúvidas. Não a aceitei e rapidamente a rejeitei, no entanto, ela volta e meia retornava aos meus pensamentos. Demorou até que eu começasse a ter uma nova postura sobre ela e talvez tenha começado a me aproximar do sentido do autor. Hoje essa frase faz parte do meu vocabulário para entender as coisas do dia a dia.
"Na dúvida, ninguém desespera" retrata, na minha opinião, a existência do homem livre, do homem que é responsável pela construção do seu projeto de vida. Essa citação revela a pluralidade da vida e o quanto para nós é necessário e imprescindível realizar escolhas. Em uma aula na faculdade sobre saúde mental comentei dessa frase e disse que para mim, a doença mental, era a impossibilidade de realizar escolhas. Comentei que acreditava que o sujeito adoecia quando se via sem alternativas para trilhar o seu viver. Era a certeza irremediável que levava a pessoa a enlouquecer. Enquanto houvessem saídas, possibilidades, o sujeito teria perspectivas, mas quando se percebia encerrado em uma situação, perdia-se.
Na dúvida, ninguém desespera, pois a dúvida indica que existem oportunidades de mudanças e mudanças são chances de crescimento. Eu sei o quanto nossas dúvidas podem causar desconfortos. Eu sei que a dúvida remói o ser e nos machuca quando é provocadora demais. Também sei que a dúvida pode nos paralisar. Contudo, na dúvida padecemos do mistério que há no além de cada decisão. Sentimos, na dúvida, o medo do não saber o que virá depois e também o medo de perder o que já é. Isso tudo nos mostra que temos um caminho a perseguir, uma história para escrever. Na dúvida temos medo da nossa capacidade de realizar as coisas e da imprevisibilidade dos fatos que independem da nossa vontade e desejo.
Com isso recomendo o conselho do poeta Rilke (2001), "Sua dúvida pode tornar-se uma qualidade se o senhor a educar. Deve-se transformar em saber, em crítica. Cada vez que ela lhe quiser estragar uma coisa, pergunte-lhe por que aquilo é feio. Peça-lhe provas, examine-a; talvez a ache indecisa e embaraçada, talvez revoltada. Mas não ceda, exija argumentos. Ponha-se a agir assim, atenta e consequentemente, cada vez, e dia virá em que, de destruidora, ela se tornará sua melhor colaboradora, talvez a mais sábia de quantas que cooperam na construção de sua vida" (p.74).
Referências:
JACOBSEN, Jens Peter. Niels Lyhne. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta e A canção de amor e morte do porta-standarte Cristovão Rilke. São Paulo: Globo, 2001.
Andreza Crispim
Um comentário:
Um dos meus textos prediletos.
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