domingo, 17 de maio de 2015

Sobre a doença e a medicina

Uma das formas de comprovação de científicas mais inquestionáveis são os números estatísticos. Se alguém for  defender uma hipótese sem trazer  percentuais  estatísticos,  já perdeu parte da capacidade de argumentação. Um exemplo disso são os resultados em psicanálise. A maioria dos leigos,  céticos com o saber freudiano, tende a questionar: estatisticamente, qual o resultado da psicanálise em relação a uma determinada neurose? Nessa hora, muitos ”psis” ficam em apuros –  contudo, considerar números como parâmetros de resultados de bem estar  psíquico é uma tarefa árdua para os pesquisadores da objetividade.

A estatística envolve-se com a verdade como numa espécie de início de namoro, em que um não se sabe bem onde se vai chegar. Em parte da medicina, na maior parte aliás,  A estatística traz valores que apontam para a realidade dos fatos.  Mas, como outras  forma de conhecimento,  existe nas estatísticas  potencialidades  para a manipulação de dados – aqui o profissional, como uma cartomante, diria: os números não mentem,  e em ciência, muitas vezes, nada se perde, nada se cria tudo se “deforma”. E essa deformação está a serviço de desejos e interesses os mais diversos –  daqueles que buscam as coisas, não como são, mas como deveriam ser. Infelizmente não são como querem ou queremos.  Em muitas ocasiões,  que há uma descoberta de um  tratamento de doença de nome novo -  nomes, as vezes, esquisitos – uma epidemia desse adoecimento, como se todos os clientes potenciais estivessem em casa, envergonhados ou entrincheirados, esperando a bandeira branca do tratamento. Saem reportagens em revistas, artigos no jornal, depoimentos de famosos etc - um verdadeiro boom de informações de doenças da moda, onde estão presentes como convidados VIPs, como numa festa, os quadros depressivos, ansiosos, doenças de estresse - Burn Out - fibromialgias, síndromes reumáticas, cardíacas, TDAH, TOC, TAG, TEPT e muitas outras afecções.

Uma vez vi um científico: “estudos apontam que o uso de uma medicação X  tem eficácia terapêutica em cerca de 60% dos pacientes tratados para depressão”. O estudo foi feito com cem pessoas que antes de tomar a medicação do estudo, fizeram uso de placebo. Quarenta pessoas saíram do estudo por conta da boa resposta ao placebo – portanto, deixaram de ser depressivos. Outros quinze saíram por conta dos efeitos adversos e mais dez sem justificativas notificadas. O resultado é que apenas trinta e cinco pessoas fizeram o estudo até o final, ou seja, em seis semanas, e desses, cerca de dezenove tiveram bons resultados. Se o estudo fosse feito por pessoas céticas, ou mau humoradas,  provavelmente teriam descrito que apenas 19% dos pacientes tiveram respostas satisfatórias.

E, assim eu poderia ilustrar vários outros  casos de pesquisas estatísticas que ficaram "viciadas" pelos desejos dos pesquisadores. Falo nisso porque saiu recentemente um livro interessante, chama-se "O Doente Imaginado" de Marco Bobbio. Nesse livro traz comentários  das parafernálias que a  medicina  monta e que nada tem de científico. Essa sustentação se dá pela uso da estatística e dos exames complementares – radiografias, tomografias, ressonâncias. Bobbio traz  uma metáfora interessante: um homem, um quase atleta, o procurou para saber quanto seria o seu batimento cardíaco normal, levando em consideração sua idade e sua constituição física, durante um exercício. Pergunta simples e de simples resposta,  mas o que o autor apontou, nesse questionamento, é que cada vez mais  as pessoas dependem de parâmetro tecnológico externos, deixando de lado o que seria mais importante,  o parâmetro do conforto e do bem-estar. Preferem saber o que dizem os aparelhos ou os exames – os números não mentem. 

Os exames são úteis, mais não são, e provavelmente nunca serão, determinantes, por isso que se chamam de exames complementares. Nesse livro Bobbio lamenta ainda a nova formação médica cada vez mais intolerante aos fenômenos da natureza humana, como o envelhecimento e a morte. Enfim,  uma leitura imperdível.

Marcos Creder

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