domingo, 10 de maio de 2015

UMA MERA QUESTÃO DE SUBJETIVIDADE

Resultado de imagem para subjetividade, arte





O que é o mundo psicologicamente falando, afinal? Metafisicamente se diz que é tudo aquilo que compõe a realidade. Subjetivamente também se pode definir como o somatório da experiência humana. Aliás, o que é subjetividade? Simplifiquemos a questão entendendo a subjetividade como aquilo que é íntimo do indivíduo humano, isto é, suas inquietações, suas emoções, seus pensamentos, valores, crenças, lembranças, sonhos, fantasias e sentimentos. Tudo impalpável, contudo vívido e real para o sujeito que os carrega, e neste sentido a subjetividade é particular e única a cada indivíduo. A subjetividade, diz o filósofo e psicanalista francês Félix Guattari, se desenvolve além do sujeito (no socius) e aquém do sujeito (pela lógica dos afetos e do processo primário de pensamento). Já para os gregos antigos é a substância da alma, enquanto para o cogito cartesiano "penso, logo sou". A subjetividade não é o mundo (interno), por excelência, da igualdade, mas sim das diferenças e das diversidades, visto a natureza psíquica da singularidade de cada subjetividade. Um dos mais subjetivos textos literários escrito, Ulysses, de James Joyce, que o diga. Um livro praticamente ininteligivel para muitos, principalmente devido ao fluxo de consciência de forma desagregada do personagem Leopold Bloom, onde a livre associação de ideias e fragmentação de pensamentos revela a máxima subjetividade ali contida.
Resultado de imagem para persona, bergmanEm linguagem cinematográfica talvez o melhor exemplo seja Persona de Ingmar Bergman, cuja mutismo em relação aos que rodeiam a personagem Elizabeth Vogler é absoluta e cuja voz de quem se propõe a falar por ela é a da enfermeira Alma, encarregada de acompanhá-la e tratar dela. Literalmente, Elizabeth se cala, Alma fala. Pequenos traços singulares vão aos poucos desnudando a subjetividade de Elizabeth.
O que chamamos de mente humana, mais precisamente psiquismo, usa os cinco sentidos para criar "modelos" mentais e cognitivos de realidade. Esta espécie de construção através da experiência sensório-perceptiva-intelectiva se processa por meio de camadas que convencionamos chamar de conscientes e inconscientes. Na gênese do psiquismo humano vai se constituindo o indivíduo, ou melhor chamando a pessoa que cada um é.
Resultado de imagem para passeio ao farolA definição de subjetividade é totalmente subjetiva. Será? Ou será que a definição de subjetividade é a objetivação do que é subjetivo? Confundo-me neste momento. Agora pareço compreender Fernando Pessoa quando em seu poema Adiamento diz: "a persistência confusa da minha subjetividade objetiva". Seja lá como for reconheço que a subjetividade está intrinsecamente relacionada a formas de consciência, ou seja, o eu, a pessoa e sua identidade de ser; formas estas formadas pelo vivenciar psíquico da vida e do mundo circundante. Segundo pensa o poeta e filósofo francês Gaston Bachelard, os símbolos da vida íntima relacionam-se com os símbolos da vida objetiva. A escritora inglesa Virginia Woolf é mestra em nos mostrar isso. Em seus textos desaparece-se a figura da terceira pessoa, isto é, do narrador. O que lemos é o reflexo da subjetividade do personagem. Em sua escrita o pensamento é quem é de fato o personagem. o texto flui mergulhado em pensamentos, lembranças, sentimentos... Em sua obra literária Passeio ao Farol a trama não está centrada no mundo real e externo dos objetos postos em cena, mas sim na percepção e seus significados.
Resultado de imagem para boyhoodSe a subjetividade de cada um é pessoal e única, por sua vez ela é uma síntese do particular com o universal, visto a individualidade se edificar na relação do interno psíquico com o externo (mundo físico, social, cultural e histórico). O particular contém em si algo do universal, afinal o ser humano, todo ser humano, está inserido em um contexto histórico-social. A pessoa que somos é uma constante dialética subjetivação/objetivação. O recente filme Boyhood, de Richard Linklater, acompanha o menino Mason (Ellar Coltrane) ao longo de 12 anos de sua vida, da infância à adolescência. O amadurecimento de Mason é visto em um resumo de quase três horas fílmicas em meio a inúmeros conflitos familiares. O eu do personagem e a passagem do tempo sobre ele. A subjetividade do eu permanece e se modifica ao longo dos anos. Em nós, o eu de hoje muitas vezes dialoga com o eu de ontem.
Resultado de imagem para varios eusContinuo sendo, mas não sou mais o mesmo. Não sou outra pessoa. Sou a mesma pessoa. Onde comecei não sei ao certo. Onde terminarei é totalmente incerto. Transito assim entre duas incertezas. Neste espaço a mim reservado viver multipliquei-me e me metamorfose-ei. Como Fernando Pessoa também sinto em mim crenças que não tenho. Qual a origem da maioria dos pensamentos que me habitam? A minha singularidade ao todo não me pertence.
Resultado de imagem para varios eusA realidade vivida é por si mesma multifacetada. São vários seus ângulos. Não podemos ser, pois, internamente um só, embora sejamos uma única pessoa dentro do nosso corpo. Somos, talvez, uma multiplicidade de eus, de máscaras, de personas. Um conjunto de núcleos a nos modelar. No conjunto deste somatório nos acreditamos ser quem somos, assim como nos acreditamos ser mais do que os outros esperam que sejamos, e somos realmente quem somos.
Resultado de imagem para eu sou eu e minhas circunstânciasEstou agora em um ponto no presente texto em que posso considerar que a expressão da subjetividade nos remete sempre ao pessoal de cada um, o seu ponto de vista sobre o mundo, a sua verdade naquele instante da vida. O que pertence ao sujeito psicologicamente falando somente a ele pertence, a mais ninguém. Confuso, conflituoso e mutante, o subjetivo do início ao fim é uma aprendizagem. Aprendemos a tratar com o mundo a partir do que entendemos como mundo. "O mundo exterior não existe sem o meu pensá-lo", escreve Ortega Y Gasset. E complementa: "mas o mundo exterior não é o meu pensamento". O mundo é para mim - afirma o pensador espanhol - o que é para mim ou perante a mim. Não há, para Gasset, subjetividade sem objeto. E por isso conclui: "eu sou quem agora o vê, ele é o que agora eu vejo". Ou, em melhores palavras, cada um é o que é para o mundo, e o mundo é o que é para cada um.
Resultado de imagem para monetA realidade nos causa impressões. O movimento artístico conhecido como Impressionismo mostra-nos diretamente isso. No Impressionismo (arte em que o sensorial e a subjetividade são usados para a captação do real) cria-se a representação do mundo exterior a partir do mundo interior. Em busca do efeito óptico da luminosidade e suas impressões ilusórias, a retração da realidade não é mais uma mera reprodução quase fidedigna da mesma, mas sim o que a verdade visível provoca na sensibilidade do artista. Vide Monet no quadro ao lado.
Resultado de imagem para "joaquim Cesário de mello"Volto, portanto, a pergunta que abre este texto. Sei que não a respondi, mas tentei, venho tentando. Não necessariamente para escrever sobre o tema, porém para mim. Para entender o mundo em que vivo, o mundo em que penso estar vivendo, o mundo onde respiro oxigênio, experiências, sabores e dessabores. O mundo que deixará de existir quando eu não mais existir, embora a realidade persista antes e além de mim. Quando morrer meu mundo (subjetivo) morrerá comigo. O que ficará é esta triste realidade de um mundo sem mim. Decididamente isto é UMA MERA QUESTÃO DE SUBJETIVIDADE.

Joaquim Cesário de Mello

Nenhum comentário: