sexta-feira, 10 de outubro de 2014

PERSONALIDADE: O SER EM MOVIMENTO







Recentemente me perguntaram em sala de aula se uma personalidade pode ser mudada. Depende. Depende, inclusive, como se define personalidade. No Wikipedia personalidade é descrita como um conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir. Para Gordon Allport a personalidade "é a organização dinâmica, dentro do indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que determinam seus ajustamentos únicos ao ambiente". Para outros representa a força ativa que ajuda a determinar o relacionamento do indivíduo baseado em seus modelos de individualidade pessoal e social. Já Freud estudou e entendeu a estrutura da personalidade humana dinamicamente constituída pelo jogo de forças interiores que ele denominou de ID, EGO e SUPEREGO. Um outro aluno(a) em sala de aula resumiu dizendo que personalidade é "o jeito de ser" de alguém. 
Pois é. Se ficarmos com a definição proposta por Allport, personalidade é um conjunto organizado de elementos constituintes que dinamicamente interagem. Sendo a personalidade dinâmica ela, portanto, não é estática, afinal o próprio termo dinâmico assim o diz: relativo à força e ao movimento. O peso e a importância dinâmica existente na personalidade é, por sua vez, bastante enfatizado por Freud ao teorizar e sistematizar o funcionamento psíquico também por meio de forças que agem no comportamento humano. Freud sugere que os processos psicológicos são resultado psicoenergéticos do eterno conflito psíquico entre as estruturas do Id, Ego e Superego. Uma mudança na correlação entre tais forças e seus antagonismo gera, consequencialmente, uma mudança na dinâmica estrutural da própria personalidade. Assim, por exemplo, uma pessoa cujo Superego, anteriormente rígido e severo, se torna mais flexível e menos implacável, não é mais a mesma pessoa, embora continue sendo a mesma pessoa. Confuso? Então, vejamos.
Aceitemos o conceito de personalidade resumidamente como "o jeito de ser" de cada um de nós. Aceitemos, ainda, personalidade como um conjunto de características psicológicas que gera um padrão estável ao longo do tempo da maneira de alguém se comportar, agir, pensar e sentir. Consideremos também que a personalidade de um indivíduo não é o ser de um indivíduo, mas a maneira como ele se apresenta ao mundo e a si próprio (lembremos que personalidade vem do grego persona, que significa máscara). Talvez, ao invés de se dizer "eu sou assim", fosse melhor se dizer "eu me habituei a ser assim".
Vejamos a concepção de "verdadeiro self"proposto por Winnicott. Ligada à teoria do amadurecimento a ideia do "verdadeiro self" parte do princípio básico de que o ser humano tem um potencial inato ao crescimento e que necessita de um ambiente facilitador para se realizar. Tratando-se, pois, de um potencial, o "verdadeiro self não é algo definido a priori e nem é estático. É por meio da experiência, portanto, que o potencial do "verdadeiro self" ganha contorno e pode emergir pra vida e pro mundo.


Será que o que conhecemos de nós (nossa máscara pessoal) é o que verdadeiramente somos? A máscara pode ser uma face que uma pessoa põe para confrontar o mundo. Esta faceta ou parte do nosso psiquismo Jung chamou de Persona que é a maneira como a pessoa se adaptou à vida. Jung utilizou dos termos Sombra, Anima e Animus para falar de uma outra parte da personalidade que em si nós desconhecemos em nós. O centro da personalidade, para Jung, é chamado de Ego (centro da consciência), mas a personalidade como um todo e uma totalidade é o Self. Nossa personalidade não é necessariamente a nossa máscara. Quem somos ou quem podemos ser é muitas vezes maior do que nós nos acostumamos a pensar que somos.
Parece ser mais fácil aceitar a possibilidade de que uma pessoa pode mudar seu próprio comportamento. Também não deve ser difícil reconhecer que podemos também mudar nossa maneira de pensar e de responder a situações. A questão aqui é: tais mudanças representam mudanças de personalidade? Dentro de uma ótica psicanalítica a reestruturação da personalidade ocorre quando o analisando compreende à nível cognitivo e emocional a natureza de seus conflitos, libertando-o, assim, em novas perspetivas de si (autoconceito/ autoimagem) e do mundo (cosmovisão). Mudanças comportamentais duradouras não acontecem no vácuo; elas são resultados de desenvolvimento estruturais da personalidade subjacente
Para a Gestalt a personalidade é um sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais. Fritz Perls dizia que "o organismo age e reage a seu meio com maior ou menos intensidade; a medida que diminui a intensidade, o comportamento físico se transforma em comportamento mental. Quando a intensidade aumenta, o comportamento mental torna-se comportamento físico". Todos nós, cada pessoa e cada personalidade, vive a experiência de se estar vivo dentro de um "campo fenomenal". A base de toda personalidade - afirmava Rogers - é a experiência. A totalidade das experiências constitui o campo fenomenal de uma pessoa, e dentro desse campo habita o conceito do eu (self) do indivíduo. O campo da experiência é único para cada indivíduo. É um mundo pessoal e particular e que nem sempre corresponde à realidade objetiva. O self é como se fosse uma fotografia, um momento, de algo que está mudando. Para Rogers o self (a visão que a pessoa tem de si) é um processo contínuo de reconhecimento. 
Uma energia psíquica liberada de obstáculos neuróticos ou patogênicos propicia a elevação do nível de aproveitamento da vida com a otimização das potencialidades pessoais. Freud falava que o fortalecimento do Ego, com mais independência deste em relação ao Superego e ampliado mais seu campo de percepção, possibilita a expansão do mesmo de maneira a poder assenhorar-se de partes do Id. Ora, acaso isto ocorra psicologicamente, então, haveremos de falar em uma nova estruturação dinâmica da personalidade do sujeito agora reestruturado internamente. 
A chamada Psicologia do Self também trabalha com ideias análogas, isto é, de que as mudanças psicoterápicas operam ao mesmo tempo intrapsiquicamente, intersubjetivamente e interpessoalmente, e que tais mudanças são possibilitadas pelo desenvolvimento do relacionamento entre paciente e terapeuta, e das respostas empáticas deste último (internalização transmutadora). A internalização transmutadora é o processo psicológico de introjeção da figura do terapeuta como modelo de função. Neste sentido tal fenômeno de natureza identificatória propicia a internalização das interações dinâmicas entre paciente e terapeuta que servem para reconstruir a estrutura psíquica. 
Retomando o início deste texto, sendo a personalidade um conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, então nada mais legítimo do que considerar que mudanças na forma e nos padrões costumeiros de pensar, sentir e agir, representa uma reorganização no conjunto das características psicológicas do sujeito. E se assim for, então muda-se a personalidade em seu feitio (jeito de ser) sem se transformar a personalidade em outra personalidade. Em outras palavras: não mudamos o ser que somos, mas mudamos o jeito de ser quem somos.
Em resposta à pergunta da aluna: depende. Depende do que ela, você ou eu chamamos e entendemos o que vem a ser personalidade.


Joaquim Cesário de Mello

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