domingo, 7 de setembro de 2014

Três filmes

Venho assistindo a poucos filmes, inclusive, tenho escutado dos críticos de cinema que estamos passando por uma má fase de produções cinematográficas - arrisco em dizer que essa má fase se extende a outras artes, que, contudo, não falarei aqui - talvez em outro momento. Nessa escassez, assisti a dois filmes que, apesar de polêmicos, pouco me impactaram: "Ninfomaníacas I " e "Azul é a Cor mais Quente". Não são necessariamente filmes ruins, contudo, fazem parte daqueles tipos de produções que esquecerei  daqui há uns dois ou três anos.

O primeiro, do diretor Lars Von Trier - que muito admiro - é o mais fraco, inclusive, para o tema que, suponho,  se propôs problematizar. Achei mal construído. Não basta ter cenas fortes, intensas de violência ou sexual - recursos, aliás, explorados nos dois filmes - para se caracterizar a perversão com pensou Trie. É preciso entender a lógica, se assim posso chamar, da perversão. O funcionamento perverso não obedece à lógica explicativa como fez, ou tentou fazer, a protagonista do filme. Aliás, o discurso da personagem não é de uma ninfomaníaca, mas de uma outra posição, posição de quem pensa como deve funcionar uma ninfomaníaca - enfim, o lugar do diretor. E como pensou? Pensou como ma pessoa que narra atos inenarráveis e ostenta-se da ausência de sentimento culpa.   A uma verdadeira ninfomaníaca, o filme passa como  comédia romântica ou  um dramalhão com uma ou outra cena instigante. 

Exageros à parte, sabe-se que a ninfomania, como parte da estrutura perversa, não se inscreve na dimensão moral do certo ou do errado, do amor ou da paixão. Até a palavra "prazer" não bem se adéqua ao objetivo da ninfomania  A palavra  que melhor se aproxima da satisfação ninfomaníaca é "fissura", num sentido parecido que se utiliza na relação do dependente químico com a droga. A satisfação está além de um mero prazer, mas na execução de algo que não se tem controle ou domínio -  dito muitas vezes como é "algo maior do que eu desejo".  Há, na verdade, uma compulsão, uma espécie de necessidade urgente e inefável por realizar algo danoso ou transgressor - no passado chamava-se "vício", etimologicamente uma "falha" que se deixa dominar pelo objeto. A verdadeira ninfomaníaca dificilmente se identificaria com a hesitante e moralista personagem do filme - É difícil fazer um filme agradável com esse tema. Li a duras penas a "Filosofia na alcova" de Sade, e pude perceber que a crueza do texto faziam-me questionar o sentido, ou o propósito, dessa literatura. Contudo,  o asco do leitor parece funcionar como termômetro da eficácia do texto sadiano no sentido da perversão. A obra literária se alimenta de palavras, a perversão as economiza, ou as troca por atos. Sade sabe bem transformar palavras em atos.

***

Quanto ao filme francês, "Azul  é a Cor mais Quente", comento que se os personagens fossem mais "convencionais", e se retirasse uma ou outra cena mais picante - enfim, os elementos mais explorados do filme - seria um filme que não demoraria a ser exibido em canais abertos. O que parece dar o tom provocante ao filme é justamente os desdobramentos de uma relação  homoafetiva - provocação que julgo conservadora. O  que se constata, irremediavelmente, é que a orientação sexual não faz uma relação ser melhor que outra - nem faz um filme melhor que outro. Se os personagens fossem um casal "hetero", esse filme chegaria com maior rapidez à sua irrelevância - falta-lhe originalidade, falta-lhe argumento ou roteiro que o dê destaque. 

***
Depois de assistir a esses dois filmes, vi,  por acaso, um terceiro que não  gerou polêmicas ou discussões, mas que achei  interessante. Interessante porque discorre de  maneira satírica sobre os apelos das expressões artísticas contemporâneas, justamente desses tempos magros de produção. O filme: "A Grande Beleza".  Embora não  tenha sido uma proposta para grandes públicos, merecia maior divulgação -   mesmo sendo premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2014  (prêmio que nem sempre é interessante),  se manteve desconhecido. Um dos erros começa pela classificação do filme: comédia. O filme traz algum sarcasmo, alguma ironia, mas está longe de ser uma comédia - esses engessamentos classificatórios pouco ajuda quando o filme é de boa qualidade.  Se pudéssemos  classificar os filmes pela qualidade: dividindo prateleiras -  as prateleiras dos ótimos , dos bons, dos regulares e  sofríveis - nos seria mais úteis. 

 "A Grande Beleza" traz a pesada tarefa de repensar as produções artísticas. Na vida do melancólico personagem, Jap Gambardella, um escritor de um livro só,  observa-se sua contemplação das manifestações populares das artes e das recordações pessoais, indo das mais grotesca às mais pedantes.  A honestidade artística do personagem, faz com que se crie mal-estar entre  amigos e seus pares, num momento cultural em que tudo é forçado para o conceito de arte.

 Dono de um excelente texto narrativo, o filme lembrou-me outros, principalmente, outros filmes italianos, especialmente dos elementos bizarros e caricatos do cinema de Fellini. Assisti-lo fez-me caminhar no tempo, o mesmo tempo em que, no  filme, o personagem tenta resignar-se e acertar-se perante seus paradoxos da vida. Que paradoxos? Os de sempre: a juventude e a velhice, a beleza e a feiúra, a arte e o cotidiano , a vida e a morte

Marcos Creder

2 comentários:

Anônimo disse...

Ninfomaníaca foi uma grande decepção para mim, principalmente a parte II. Lars Von Trier já ocupou posições melhores no meu coração.

cristiane menezes disse...

Que texto maravilhoso de ler! O leitor sente-se proibido de deixar a leitura de lado. O sr. escreve maravilhosamente bem, pelo que vi, resultado da sua biblioteca paternal. Não assisti a nenhum dos filmes citados, nem possuo interesse pára, mas cheguei a escutar críticas. De vez em quando aterrizo por aqui, leio um pouco, encontro-me, deixo ficar. Acredito que o campo da literatura também esteja passando por uma má, péssima e caótica fase, portanto, mãos a obra, sugiro que escrevas um novo livro! Cristiane Menezes