domingo, 9 de fevereiro de 2014

O OVO E A GALINHA





Quem vem primeiro: o ovo ou a galinha? Difícil responder, não? Então vamos mudar a pergunta pra: quem vem primeiro o pensamento ou a emoção? Não responda tão rápido, por favor. Se assim o fizer é sinal que pouco se refletiu e que muito se reproduziu acriticamente. Comecemos tentando responder, portanto, com um "depende". Talvez abra espaço para aprofundarmos a questão, ao invés de tamponá-la facilmente com simplicidades que resvalam, muitas vezes, para a superficialidade. Ampliemos, pois, o nosso leque.
Cada época tem lá seus modismos. No campo da Psicologia Clínica idem. Já tivemos o apogeu das teorias psicanalíticas, das terapias grupais, da psicoterapia breve focal e tantas outras. Atualmente vivemos a coqueluche das ideias cognitivistas, mais conhecidas como Terapias Cognitivas Comportamentais. Entendo que o ser humano é complexo e profundo e que cada escola (viés de pensamento) dá a sua significativa contribuição. Incomoda-me, apenas, o excesso quase exclusivista de uma maneira de pensar e abordar em relação às demais. Formam-se as igrejinhas, segue-se os novos profetas e cultuam-se o deus da vez. Na busca da quintessência do conhecimento sobre a alma humana a ciência da Psicologia corre um sério risco de se transformar em uma Torre de Babel. Neste ramo do conhecimento humano predomina uma imensa polifonia muitas vezes desarmônica. Uma verdadeira cacofonia selvagem e brutal onde cada som  ou voz parece querer se sobrepor a outro. É de fazer doer alguns ouvidos sensíveis.   
Alheio a isso tudo continua existindo o ser humano. Pensando e sentindo. Emocionando-se e raciocinando. Quem vem primeiro: a emoção ou a cognição? Neste momento só sei que o ser humano é um organismo vivo que se relaciona com o ambiente e organiza suas trocas com o mesmo. Uma das modalidades que temos de significar nosso cambiar com o mundo é o processamento conceitual. Através de tal processamento criamos com os pensamento nossos significados pessoais mediante padrões de interpretação. Todavia há uma outra modalidade processual que não somente a conceitual, que é o processamento vivencial.
Por este outro ângulo, o pensamento é destronado como caráter único no tocante a determinação da significação que damos aos eventos internos e externos. Alongada a questão podemos também compreender que muitas vezes os significados que são criados em nossas mentes têm origem em atividades psíquicas não lógicas, racionais ou cognitivas. Afinal, as experiências não são primariamente pensadas, mas igualmente sentidas. Lembremos que o emocional geralmente é mais imediato que a reflexão. Ou alguém duvida que podemos primeiro sentir algo para depois pensarmos alguma coisa a respeito desse algo? A atividade psíquica é toda uma atividade elétrica e de processos químicos onde se conjugam sensações, emoções e pensamentos. Do mesmo jeito que certos pensamentos ou crenças podem nos gerar medo, raiva, ansiedade, tristeza ou alegria, nossos medos, raivas, ansiedades, tristezas ou alegrias podem nos gerar pensamentos e consolidar crenças. 
A razão pura não existe. Óbvio, não? Tem quem não reconheça. Como diz o neurocientista português Antônio Damásio para se ter uma consciência básica é necessário se ter sentimentos. A mente humana, prossegue Damásio, "é uma sucessão de representações criadas através de sistemas visuais, auditivos, táteis e, muito frequentemente, das informações fornecidas pelo próprio corpo sobre o que está acontecendo com ele — quais músculos estão se contraindo, em que ritmo o coração está batendo e assim por diante. Em resumo: a mente é um filme sobre o que se passa no corpo e no mundo a sua volta". Todavia, não confundamos emoção com sentimento. Emoção é uma pronta resposta motora que damos em reação a um determinado evento. Já o sentimento é uma experiência mental da emoção, isto é, a forma como a mente interpreta o conjunto dos movimentos corpóreos que chamamos de emoção.
O paradigma construtivista, aqui elencado, parte do princípio que o psiquismo humano também atribui significados às experiências e vivências que transpõe a experiência e vivência em si, ou seja, significados que não têm origem no estímulo em si, e que a realidade pode ser experenciada pelo mundo interno a partir do ponto de vista emocional e não somente através de premissas racionais. A mente não é passiva, mas antes ativa e que transforma sensações em ideias, assim como ideias em sensações. Podemos afirmar que a produção de significados mentais é uma via de mão-dupla, onde os mesmo são construídos através tanto do processamento conceitual (pensamentos) quanto do processamento vivencial (emoções). Os sentimentos, as emoções e os afetos humanos não são sempre e somente efeitos de nossas crenças e pensamentos, afinal a edificação de nossas estruturas cognitivas em maior ou menor grau tem a contribuição do nosso funcionamento emocional. Afinal, antes de sermos homo sapiens somos homo anima. Os primeiros mamíferos hominídeos de onde originamos utilizavam as emoções e as sensações como recurso de sobrevivência e adaptação. A capacidade racional e linguística desenvolvida em nossos cérebros vieram depois. 
E quais são, portanto, as repercussões de tais compreensões no âmbito das abordagens psicoterápicas? Várias, diversas, inúmeras. Genericamente auxiliar a pessoa do cliente/paciente a utilizar suas emoções na construções de novos significados existenciais, possibilitando uma melhor simbolização das mesmas. As emoções também devem ser ouvidas em seus conteúdos, propiciando assim uma integração dos próprios sentimentos. Ou, como diria o poeta, sentimento que não se pensa é cego
Não se trata apenas de relatar emoções em relações a eventos significativos e/ou traumáticos de vida, mas de assim fazê-lo em uma interação positiva entre o narrador e o ouvinte. O ouvinte (psicoterapeuta), por sua vez, contribui para que o narrador (cliente) tome melhor consciência dos seus sentimentos, não só experenciando-os mas também de dar significados aos mesmos. A ênfase é dada, então, na expressão apropriada das emoções e dos sentimentos, bem como na exploração do seu desenvolvimento. Busca-se alternativas para o sentir do cliente/paciente, lembrando que a experiência humana não é pura e exclusivamente montada em pensamentos, mas também nas emoções que lhe dão suporte e destino. 
Sabemos a extensão do assunto, bem como o "cabo-de-força" ideológico e metodológico que subjaz a eterna discussão entre razão x emoção. Porém é necessário, útil e fértil dialogar, ao invés de se fechar em "templos" de ortodoxia fundamentalista e sectária. Entendo que os significados pessoais que o sujeito dá derivam tanto do processamento conceitual quanto do vivencial. Compreender as emoções, os afetos e os sentimentos são tão importantes quanto compreender os esquemas cognitivos engendrados pelo pensamento. 

Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

rotina criativa disse...

Acredito que se considerarmos o indivíduo enquanto uma totalidade fixar-nos em qualquer um dos processos de contato com a realidade (sensação, emoção e cognição) será empobrecer a potencialidade de mudança do ser humano. É importante compreendermos o quanto a nossa vida se dá numa integralidade de nossos sentidos, emoções e pensamentos, privilegiar um deles é se perder nas outras dimensões e causar possíveis desconfortos na nossa percepção do mundo.