domingo, 7 de abril de 2013

ENSAIO SOBRE A ESPERANÇA


 

                 Certa vez afirmou Pascal (1623-1662) que “o homem ultrapassa infinitamente o homem”. Tais palavras me faz pensar na transcendência humana. Sim, o homem é mais do que ele mesmo. O ser humano se ultrapassa, pois não se contenta com o que simplesmente  lhe é dado, porém deseja, sonha e tem esperança.
                A esperança é um afeto humano e, segundo a visão mítica da antiguidade grega, foi-nos ofertada pelos deuses. Segundo o poeta Hesíodo, em Os Trabalhos e os Dias, provavelmente escrito em torno de seis séculos antes de Cristo, segundo a história (mito) Prometeu (que em grego arcaico significa “aquele que vê o futuro”) havia roubado dos deuses o fogo e presenteado os homens para que eles dominassem a natureza. Irado, Zeus providenciou a vingança: ordenou a Hefesto (deus do fogo e dos metais) que criasse uma mulher perfeita (Pandora) e de vários deuses recebeu qualidades, tais como encanto, inteligência, persuasão e beleza (Pandora em grego significa “todos os dons”). Pandora, assim, fora ofertada a Epimeteu, irmão de Prometeu. Vendo tamanha beleza Epimeteu tomou Pandora como esposa, mesmo contra os avisos do seu irmão para que não recebesse nenhum presente dos deuses. Epimeteu tinha consigo uma caixa onde estava guardada todos os males e um único bem, a esperança. Proibida de destampar a caixa Pandora não resiste à curiosidade e finalmente a abre, liberando assim os males como a doença, a velhice, as pragas e o sofrimento. Da caixa apenas se conservou a esperança. Isto o que nos sobrou para enfrentar os males e as adversidades: a esperança.
                 Embora muitas vezes a esperança possa até ser transitória ou ilusória, ela é uma necessidade humana. Porque nos transcendemos do instante e nos projetamos no futuro, a esperança é fundamental em nossa contemplação do amanhã incerto. Há uma passagem bíblica, por exemplo, onde se faz menção que o agricultor deve arar com a esperança da recompensa, pois assim alívia o árduo do seu trabalho. Neste sentido podemos associar a esperança a uma potência interior, cuja força nos move e concilia nossos sofrimentos com a finalidade do existir humano.
                Esperança se relaciona com o advir. Do latim sperare é o sentimento que nos faz contemplar o futuro como em condições melhores que o presente. Sem adentrarmos na esperança como fé no sentido teológico e religioso do termo, mas sim em seus aspectos psicológicos, a esperança nos tende ao amanhã como o encontrar de um bem desejável. Embora queira evitar neste instante o componente religioso do conceito de esperança, não posso me olvidar de citar São Tomás de Aquino, para quem o desesespero é o oposto da esperança.
Nos imaginar rumando para dias melhores é um bálsamo aos nossos sofrimentos contemporâneos. Podemos até dizer que o existir humano transita na gangorra oscilatória entre o medo e a esperança. No medo o futuro nos assusta, pois dele receamos um mal. Na esperança a perspectiva do que virá é bem vinda. Sabemos que uma imagem psíquica tanto de uma coisa passada como de uma coisa futura tem a dinâmica de nos afetar semelhantemente uma imagem psíquica de uma coisa presente. Segundo o filósofo holandês Espinoza (1632-1677), o medo e a esperança nascem de uma imagem passada ou futura, da qual duvidamos do resultado. A dúvida, portanto, é a raiz comum entre esses dois sentimentos. Se retirarmos da esperança a dúvida, então estaremos no âmbito da segurança e não mais da expectativa esperançosa. Opinião análoga tinha também o filósofo e escritor francês Voltaire (1694-1778) ao afirmar que "A esperança é um alimento da nossa alma, ao qual se mistura sempre o veneno do medo".
            A esperança e o ânimo são diretamente proporcionais, ou como escreveu o psiquiatra austríaco Viktor Frankl: “Os que conhecem a estreita relação que existe entre o estado de ânimo de uma pessoa – seu valor e suas Esperanças, ou a falta de ambos – e a capacidade de seu corpo, para conservar-se imune, sabem também que se repentinamente perdem a Esperança e o valor, isto pode ocasionar a morte”. Pois é, diz um dito popular que a esperança é a última que morre. Morrendo a esperança na alma humana abre-se uma enorme fenda e brecha à depressão e ao morrer subjetivo do sujeito e da existência. Uma pessoa sem esperança é uma pessoa desvitalizada cujo futuro é somente uma congelada continuidade do presente. Um ser sem futuro e sem sonhos, portanto, não vive humanamente falando, apenas sobrevive. Por isto igualmente disse o poeta espanhol García Lorca (1898-1936): “o mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida”.
                Sim, a esperança é além de tudo sentimento, sentimento este que nos dá sentido à vida. Não basta acordar de manhã cedo; é necessário para que o dia reluza (embora chuvoso) que acordemos com esperança. A esperança nos lança para depois das nuvens e de suas chuvas, porém esperança não é o mesmo de espera, visto que esperança é busca. Todavia não confundamos esperança com desejo. A primeira pode até ser filha da segunda, mas não é a mesma coisa, visto tratar-se de uma capacidade e propensão psíquica que nos faz crer na realização de nossos desejos. A esperança é também uma forma de prazer em expectativa – como afirma o psicólogo francês Gustave Le Bon (1841-1931) – que paradoxalmente na espera de sua realização se constitui em uma satisfação até maior que a produção de sua realização.
Esperança é tudo isso. É afeto, é sentimento, é transcendência, é aptidão mental, é ilusão, é sonho, é prazer, é bálsamo, é expectativa, é virtude, é aguardamento, é confiança e é anseio. Esperança é encanto mágico que com sua vara de condão transforma sofrimento, ausência, falta e dor em crença e fé.
                Parafraseando Arquimedes, dei-me esperança e eu terei o mundo.
                Mas, por favor, não me deixem findar sem poesia. Permitam-me transcrever os versos finais do poema Cântico da Esperança do poeta, músico e dramaturgo indiano Rabindranath Tagore (1861-1941:

Não deseje eu ansiosamente 

ser salvo, 

mas ter esperança 
para conquistar pacientemente 
a minha liberdade. 



Não seja eu tão covarde, Senhor, 

que deseje a tua misericórdia 

no meu triunfo, 
mas apertar a tua mão 

no meu fracasso! 


Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

rotina criativa disse...

"Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhe deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens" (Nietzche).

Uma outra perspectiva e o engraçado que ele usa o mito de pandora também para explicitar sua visão. Acho os dois pontos de vista muito coerentes e interessantes.