sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CESTA DE VERSO & PROSA

Paixão 

Estive lendo um poema de Ferreira Gullar (O que se foi) que, aliás, já li muitas vezes e que marcou minha existência. Surpreende-me, ainda, a tradução, com tanta clareza, da ambivalência dos desejos e dos sentimentos em tão poucas linhas... 
A paixão nos faz vivenciar, em muitos casos, a sensação de estar dividida, entre tantas outras, com a surpresa de poder trazer o sentimento à tona e, com a surpresa de, mesmo assim, não vivê-lo plenamente (como gostaríamos).

Poema:

O que se foi


"O que se foi se foi. Se algo ainda perdura é só a amarga marca na paisagem escura.
Se o que se foi regressa, traz um erro fatal: falta-lhe simplesmente ser real.
Portanto, o que se foi, se volta, é feito morte.
Então por que me faz o coração bater tão forte?

Então pensei: o sentimento nos faz viver e morrer (simbolicamente) ao mesmo tempo e por mais que já tenhamos passado, em algum momento da vida, por algo parecido, nos surpreendemos.
Pensei também, como a vida nos traz surpresas (paixões)... 
Algumas dessas surpresas vêm como dádivas outras como fardos.
As reviravoltas, que vem com essas surpresas, são necessárias. Esquentam o sangue! Enchem-nos de coragem para vivermos os novos desafios! Faz-nos perceber que podemos ir além! (Não duvidemos disso)

Viver uma paixão platônica... Ah! Quão intenso o sentimento... E, de igual modo, é vivido intensamente, mesmo individualmente... O coração dispara, a mão gela, vem o frio na barriga e todos os outros indícios que nos alertam da iminência desse vulcão que transborda o fervor das mais avassaladoras lavas que reviram tudo dentro de nós, fazendo com que não nos reconheçamos diante das situações mais simples! 

Paixão faz a gente repensar princípios valores pessoais, morais, éticos, enfim, tudo aquilo que é enraizado, tão arraigado que parece que não existimos sem. Tais conceitos, podem até fazer com que adiemos algumas experiências, mas não nos impede de conhecer o outro lado, o qual chegamos a pensar ser impossível... como Ferreira Gullar fala, o lado de uma “morte que faz o coração bater mais forte!” (impossível, na situação de morte, propriamente dita, o coração bater mais forte). Mas, numa paixão isso acontece!

Pois é... julga-se, inclusive, eu já julguei ser impossível, expressar uma paixão...
E, conheço uma que foi. Durante um longo período de tempo, sufocada, em total silêncio.
Até que: mais uma surpresa! Pode haver, na pessoa do outro lado do apaixonado, não se sabe se “paixão”, mas algo que se liga ao apaixonado. Em alguns casos, talvez, apenas, o desejo de algo “proibido”. Mas, nem paixão, nem o desejo do outro, no caso de não serem os dois apaixonados, muda a distância já estabelecida. E “O que se foi se foi...”

E no meio do que se foi e do que ficou, ele, o tempo, volto a dizer: o senhor do bem e do mal, passou... E, depois do seu passar e de muitas mudanças, eis que pensa-se ter surgido outra grande surpresa! Quiçá, a maior e melhor de todas as outras: a possibilidade! Em alguns casos, a sensação dessa possibilidade é rápida. Alguns acontecimentos até fazem crer que ela exista... mera fantasia da paixão!

Mas, a mais bela de todas as surpresas é poder sentir, vivenciar (mesmo que tímida e rapidamente) o encantamento do momento eternizado na memória. Tão somente pela beleza de ter acontecido, por poder ter estado lado a lado, não mais ter que reprimir, não mais ter que calar... Deixar retornar toda a paixão que há guardada... Não, necessariamente, vivenciada em sua plenitude, porém, sabida! Conhecida! Sentida!

Há, também, encontro marcado! Não se sabe se há tempos atrás ou recentemente. Mas, isso já não importa. O que se sabe, de fato, é que o desejo é maior do que as circunstancias passadas (proibições). E o encontro acontece.
E, mesmo que não haja a paixão em ambos os lados, o encontro faz feliz... Porque se pode esperar aquele encontro. Nos dias atuais, quem sabe trocar e-mails, mensagens... Imaginar o momento, preparar-se! Tudo isso fez parte de um grande momento...
Assim, como disse Antoine de Saint-Exupéry, em sua bela Obra O Pequeno Príncipe, "Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante" e dedica-se tempo... 
O momento grandioso, não se dá, somente, na vivencia do instante, propriamente dito, e sim, desde o primeiro sinal de que ele ocorrerá... “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!” (O Pequeno Príncipe). 
São os mais simples momentos que trazem o que chamamos de “felicidade”. E a felicidade da Paixão, o sentido da Paixão, está em vivê-la! Mesmo que seja em sua “morte”, com o coração em descompasso. Viva(m) as Paixões!!! "


Janaína Ramos. 

Psicóloga (Natal-RN)

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