domingo, 11 de março de 2012

UNIVERSO ATEU

Em meados de 2011 passou pelos cinemas de shopping o aguardado filme “A Árvore da Vida”, do cineasta Terrence Malick, vencedor do prêmio Palma de Ouro no último festival de Cannes. Aspectos técnicos à parte (fotografia, trilha sonora, atuação de atores) o tão aguardado quinto longo do cineasta, embora tenha decepcionado alguns, merece destaque e considerações.
            Terrence Malick é um cineasta, no mínimo, estranho ao padrão da indústria cinematográfica americana. Recluso, não é de aparecer na mídia, evita o culto a celebridade, e em quarenta anos de carreira só realizou cinco longas metragens e um curta. Seus filmes são geralmente cercados da áurea de obras de arte, principalmente após o magnético “Dias de Paraíso”, reconhecidamente um dos mais cultuados filmes da década de 70.
            Formado em filosofia por Harvard, Malick nos oferece filmes contemplativo, por isto mesmo sem grandes atrativos populescos. Por detrás da eloquência e beleza plástica de suas imagens, seus filmes são marcados de simbolismos, erudição e valores. No filme em questão, “A Árvore da Vida”, temos a discussão implícita do criacionismo versus evolucionismo.
            O filme começa com a representação iconográfica do Big Bang e a partir daí Malick nos oferece uma viagem semiótica pela formação da vida e da natureza. Overdose de imagens (e nisto o filme resulta um tanto cansativo e exaustivo) e perfeccionismo impregnam o filme de ponta a ponta. Embora nos canse muitas vezes pelo excesso de reflexão, trata-se de um espetáculo visual e sonora ímpar – comparável, talvez, a “2001 Uma Odisseia no Espaço”.
            De cunho religioso, espiritualista e místico, também temos logo na abertura do filme uma citação bíblica do Livro de Jó quando Deus indaga: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra?”.  Pulsante como as imagens, o filme oferta pérolas do pensamento Agostiniano e da psicologia humana. Com base na obra “Natureza e Graça” de Santo Agostinho o enredo fílmico é um verdadeiro tratado sobre a vida e como escolhemos vivê-la.
            Como escreve Luiz Felipe Pondé, há duas formas de se viver: "The way of grace or the way of nature". Afirma  Pondé: “a graça é generosa e a natureza torna todos escravos de sua fisiologia’. A graça (simbolizada no filme na personagem Mãe) nos dá a vida generosamente, já a natureza (Pai) é egoísta e cega. Eis a grande lição filosófica do filme: “Existem dois caminhos na vida”.
            Natureza, usualmente, significa o mundo físico, assim como filosoficamente representa o princípio da ação. Para Santo Agostinho, embora a natureza seja criada por Deus, devido ao pecado original ela se acha enferma e necessitando da graça. Em uma espécie de remédio a graça atua não contra a natureza em si, mas em relação a sua debilidade (gratia non tollit, sed perficit naturam).
            Há um verdadeiro duelo surdo entre os personagens da mãe e o pai na criação de seus filhos. Enquanto o pai é puro instinto (natureza) a mãe é pura bondade (graça). Enquanto o pai expressa severidade e autoridade, a mãe transpira compaixão e afeto. Se a natureza é uma força externa e alheia a qualquer humanidade, a graça é, por sua vez, uma força interna na qual se alicerceia toda nossa humanidade demasiadamente humana, afinal o que seria do humano acaso não houvesse a bondade?
            E neste contraponto entre a graça e a natureza o cineasta parece fazer sua escolha de maneira mista, isto é, ambos. Antes houvesse assistido a este filme, porém era impossível, pois ele é somente recente. Pai jovem, eduquei minha filha com um rigor de quem educa para a sobrevivência e a vida. Estive tolamente mais no polo da natureza, enquanto minha esposa ofereceu a nossa filha toda sua generosa bondade cheia de humildade e perdão. Mas eu era jovem e trazia comigo a amarga solidão de uma orfandade precoce.
            Pois é, Malick através de seu filme-ensaio nos provoca questionar qual o sentido da vida. Em um ritmo propositalmente lento nos convida a digerir o tema que por si só é indigesto: o caminhar do ser humano em meio a uma natureza que lhe é indiferente e muitas vezes furiosa. A vida é antes de tudo sobrevivência. Contudo nos igualaríamos ao resto dos animais e répteis se apenas passeássemos pelo mundo somente sobrevivendo. Dotados de discernimento e capacidade e senso crítico buscamos equacionar sobreviver com viver. E em cada enquadramento e em cada fotograma “A Árvore da Vida” não esconde em nenhum momento a beleza trágica e singela de se viver em uma vida que devora a vida. Como não se maravilhar pelo voar coreográfico dos pássaros como se bailassem ao som de um concerto? Uma pintura! Como não se enternecer pelo dinossauro que deixa sua presa dominada como se respeitasse nela sua luta por viver? Comovente lição de compaixão!
            Da fervura abrasadora dos primeiros instantes cósmicos surge aos poucos a vida no esfriar e diluir das larvas escaldantes. Com a velocidade do tempo imensurável a vida se transforma, extingue-se e se renova. Em meio a uma natureza que, como diz o etólogo Richard Dawkins, “não é cruel, apenas implacavelmente indiferente”, onde muitas vezes gritamos e suplicamos por Deus e ouvimos como resposta a natureza, aprendemos a importância de amar. No altruísmo do amor ao próximo encontra-se a lição no pensamento em off do filme: “ao menos que você ame, a vida passa como um flash”.
            Talvez possa estar sendo pretencioso inaugurar-me aqui no blog com a admiração existencial ao filme “A Árvore da Vida”. Afora a poesia imagética, o conteúdo filosófico, e a beleza artística e estética, o filme me fascinou muito mais pelo que residualmente me deixou após sua exibição. Não é um filme fácil ou digerível, até mesmo não é um filme inaugural em termos reflexivos e narrativos. Assisti-lo requer bagagem. Acredito que é um deleite para aqueles que já passaram por “poucas e boas”, mas que ainda se assombram com o simples fato de existir além de apenas respirar.
            A vida é breve, lembra-nos Malick, e ela é mais do que somente um acumular de experiências e sensações. Nada nos é gratuito e sem consequências, que o digam nossas escolhas...

JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO

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