domingo, 10 de setembro de 2017

A PERFEIÇÃO IMPERFEITA






                  Ninguém é perfeito, dizemos isto, sabemos disto. Todavia vivemos aqui e acolá cobrando certas perfeições dos outros, da vida e de nós mesmos. Realmente ninguém é perfeito.
Perfeição pode ser definida como ausência de erros, falhas ou defeitos. Ideal? Sim, pois somos seres idealizantes. E idealizamos a perfeição porque temos ciência da imperfeição que nos acomete. Ou como escreve Fernando Pessoa: "nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.".

Sim, no fundo no fundo idealizamos a perfeição. Buscamos a perfeição, cobramos perfeição, cobramo-nos perfeitos. Alguns menos, outros mais. E outros, ainda, até demais. São destes últimos - o que almejam a perfeição mais perfeita - que dedicaremos as linhas abaixo. Falo das personalidades organizadamente anancásticas. Anancástico é um termo que se refere à preocupação obsessiva, razão pela qual são também denominadas de personalidades obsessivas-compulsivas. 


Tem gente que confunde um transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) com uma personalidade obsessiva-compulsiva. No TOC as ideações obsessivas e os comportamentos compulsivos são egodistônicos, isto é, são aspectos que contradizem à própria pessoa. A pessoa os sentes como algo estranho a si e querem se livrar disso. Já a personalidade obsessiva-compulsiva é egosintônica, isto é, tais aspectos são sentidos e percebidos como fazendo parte do ser da pessoa, do seu jeito, e não lhes perturbam. A atividade mental, assim, está em sintonia com o ego ou, em outras palavras, em consonância com a imagem que o sujeito tem de si próprio. Isto posto, continuemos...


Uma personalidade, qualquer ela, é um conjunto de características que marcam uma pessoa. Tais características psicológicas formam um consistente padrão de comportamento, maneira de pensar, sentir e agir que são recorrentes ao longo do tempo. Uma personalidade, qualquer ela, é formada gradualmente pela combinação e interação de vários fatores, tais como a história de vida, a genética, a relação com o ambiente e a cultura. Quando tais padrões se tornam rígidos, inflexíveis e permanentes independente do contexto, falamos, então, de um transtorno da personalidade. A rijeza caracterológica leva o sujeito a um conflito de ajustamento, resultado de um prejuízo adaptativo e causando nele mesmo e nas pessoas que lhe estão mais próxima incomodação e sofrimento.

Uma pessoa cuja maneira de ser, pensar e agir gira em torno do perfeccionismo se neurotiza ao se sentir constantemente insatisfeita com seu desempenho nas várias esferas da vida. É diferente de alguém que se esforça para fazer as coisas bem feitas, por exemplo, pois uma personalidade perfeccionista extrema a questão, podendo até deprimir por pequenos erros e mínimas faltas. Gasta-se, assim, uma carga emocional muito grande ao se buscar freneticamente a excelência. O perfeccionismo em seu exagero se torna um problema, ou é ele mesmo um problema, visto que o EGO IDEAL cobra do EGO REAL metas inatingíveis e na frustração de não conseguir corresponder ao incorrespondível gera ansiedade e sentimentos depreciativos e depressivos. 

Para se sair da escravidão do perfeccionismo que o psiquismo se colocou é necessário de início aceitar e compreender que seus padrões de cobrança são bastante elevados e que, muitas vezes, podem ter raízes infantis. É, possivelmente, um trabalho mental de longo prazo, pois vida transformar o que antes era egosintônico e egodistônico. 
O desejo humano de perfeição se não for bem manipulado e manuseado pelo EGO vem a se tornar um inimigo pessoal interior. Há uma batalha interna do si consigo mesmo. Em termos psicodinâmicos entre o SUPEREGO (em seus aspectos auto-idealizantes) e o EGO. 

O nível de ansiedade de uma pessoa perfeccionista é elevado, visto ele não conseguir cumprir seu exagerado padrão de exigência. Com isto ele(a) pode deixar de fazer muitas coisas pelo medo de errar. Do ponto de vista cognitivo há uma formação de pensamento rígida que lhe dificulta o processo adaptativo a diversas e diversificadas situações. Pessoas que pensam que somente serão aceitas e/ou amadas sendo perfeitas tendem a sentir ansiedade e vergonha e, assim, apresentarem um comportamento ou evitativo ou esforço por fazerem tudo de maneira perfeita. Qualquer mínima ocorrência de algo que dê errado passam a se culpabilizarem por não terem sido perfeitas. Vê-se aqui uma predominância do pensamento onipotente sobre o Self e o campo perceptivo. A necessidade de estar no controle absoluto de sua vida é, inevitavelmente, desestabilizador frente a qualquer situação onde não impere sua ânsia patológica de segurança plena. 

Aceitar as imperfeições da vida e de si mesmo, evidentemente, é o grande passo para atenuar o alto nível de sofrimento psíquico. Para tal é necessário compreender os motivos que levam ao comportamento perfeccionista e admitir que o perfeccionismo não é uma qualidade, porém gerador de dificuldades. Seja lá qual for a raiz de cada um, a base sempre é uma baixa autoconfiança. Educação autoritária, superproteção, pais perfeccionistas, várias podem ser as influências ambientais ao desenvolvimento de uma personalidade obsessiva a partir da infância. A história pessoal de cada um revelará.
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Não somos perfeição, sabemos. Ninguém é perfeito, dizemos. A própria busca da perfeição denota a mais pura imperfeição. Fico mais uma vez com as palavras do poeta Fernando Pessoa, principalmente quando diz que "adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito". Talvez por isso, também, esteja certo o escritor inglês Oscar Wilde ao afirmar que "não é o perfeito, mas o imperfeito, que precisa de amor". Pois é, até a perfeição tem lá suas faltas e suas imperfeições. 


Joaquim Cesário de Mello