domingo, 12 de março de 2017

SOBRAS HUMANAS

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Camera d'Or do Festival de Cinema de Cannes é um prêmio filme voltado a promover jovens cineastas com talento promissor, ao premiar o melhor primeiro filme de longa metragem. Em sua edição de 2016 teve como vencedora a diretora, roteirista e atriz francesa de origem parental marroquina Houda Benyamin com seu filme Divines (Divinas, em português), disponibilizado pelo canal Netflix. Considerado e ovacionado por muitos que o assistiram no festival como "um dos melhores filmes franceses para jovens adultos dos últimos anos" Divines tem sua história ambientada nos subúrbios parisienses, fazendo-me voltar a um outro post meu aqui publicado em 31 de janeiro deste ano, cujo título é "Pequenos Dramas do Cotidiano ao Lado" que escrevi a respeito da série televisa inglesa Run. Em um trecho do referido texto comentei que os personagens eram "tão verossímeis que até parece que dar para sentir o cheiro de seus perfumes e desodorantes baratos. Personagens que retratam o dia-a-dia exaustivo da luta diuturna pela manutenção de uma mínima dignidade possível, ou mesmo não possível porém aspirada. Pessoas que passam os dias bebendo, fumando, se entorpecendo, suando em empregos de baixa remuneração ou no mercado informal, assistindo filmes e vídeos, correndo de lá e pra cá sem chegarem a lugar nenhum, tudo isto sob o céu cinzento não apenas pela pouca luz solar, mas principalmente feito da tonalidade gris e pálida da tristeza e de melancolia". Não é diferente o que vemos com os personagens de Divines, principalmente Dounia cuja personalidade e vida a narrativa foca.
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Não é sobre o filme que quero prioritariamente centrar, porém na personagem Dounia. Nascimento é destino. Este é o destino de Dounia: ter nascida pobre e lançada na vida para viver à margem social, Em uma pichação no túnel da via mangue tem lá escrito que "pobre que estuda se revolta contra o sistema". Infelizmente não é o caso da protagonista em questão. De personalidade forte e inquieta Dounia que ficar rica a qualquer custo e assim aos poucos se marginaliza ao se aproximar de Rebecca uma chefete do tráfico local. A sensação de realismo de Divines deve-se em  muito a interpretação da jovem Ouyala Amamra. Realismo é pouco. É pura cusparada na cara, e com direito a gosma e tudo, pero con sensibilidad y poesia.
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Na mitologia grega as Moiras teciam na  Roda da Fortuna o destino dos homens e dos deuses. O fio da vida de Dounia já lhe estava traçado desde antes de nascer, filha de mãe alcoólatra e imigrante periférica veio ao mundo com a sina de ser um refugo da economia de mercado capitalista. O máximo que a sociedade qlhe oferece é uma escola que a treina para ser recepcionista. Rebelde e revoltada ela quer mais da vida, ela quer tênis da Nike e Adidas e uma Ferrari. A tintura feminista do filme não lhe tira a feminilidade e a fragilidade humana. Dounia é briguenta, ousada, impetuosa ("você tem clítoris", lhe diz a traficante Rebecca) e sensual quando solta os cabelos e se produz.
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A situação atual dos jovens periféricos de hoje, diz Bauman, é um dano colateral das sociedades voltadas para o lucro incessante e descontrolado. A ideologia do individualismo do mundo capitalista leva muitos de nós a sonhar querer viver como celebridades, gastando dinheiro com roupas da moda, restaurantes e hotéis de luxo, iates e carros potentes. A ilusão passa a ser ideal e o ideal uma meta de vida, mesmo que seja pela marginalidade dela. Dounia tem tudo para cumprir o destino socialmente traçado para ela e outros jovem que como ela mais parecem uma espécie de "peso morto" de uma sociedade de consumo. A maioria desempregados crônicos ou excluídos do progresso econômico.
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A tragédia parece inevitável, porém não como inicialmente podemos pensar ou supor. Nem a ingenuidade romântica do primeiro amor juvenil e hormonal pode mudar o rumo desventurado de muitos que sem culpa já nascem sem ventura. Nem as coreografias harmoniosas dos corpos que se estapeiam dançantes, nem a suavidade clássica de evocações religiosas, como a Lacrimosa de Mozart, são capazes de amenizar a brutalidade de um filme que em si não é truculento, porém feroz como feroz é a vida real de quem vive nos fundos esquecidos de uma sociedade acidentada e injusta. 

Joaquim Cesário de Mello.

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