domingo, 7 de fevereiro de 2016

Trocando as Máscaras

Escrevi há um ano um texto, aqui no blog, neste mesmo dia de carnaval - o dia de domingo. O domingo de carnaval costuma ser diferente de outros domingos, apesar da mesma luz, não tem o mesmo tédio, não representa uma virada da semana, passa desapercebido, pois o carnaval, de certo modo, o deformou, o pressionou para a festa, para a folia.

Ao reler esse o texto, observo que tentei dar ênfase à ilusão necessária da vida da gente nessa festa, e de que, por traz disso, do sonho e do engodo, havia uma alegria incontinenti. Estava certo? Sim, a ilusão está nas máscaras e as máscaras de carnaval, em sua maioria, sorriem. Vi, não faz muito tempo, uma dessas frases de internet  - que  raramente são interessantes - que invertia justamente a minha forma de pensar o “engodo” do carnaval. Dizia: “ao acabar o carnaval, vestem-se as máscaras” (uma bela frase)  O carnaval, dentro dessa perspectiva, se aproximaria mais do sujeito como, de fato, ele "é",  e os seus afazeres cotidianos seriam formas mascaradas de existir.Certo? Respondo com a minha costumeira ambiguidade, sim e não. Sim, porque há, de fato, uma aspiração de nos tornarmos autênticos, trazendo de volta nossos comportamentos mais arcaicos e infantis - disse, certa vez, em outro texto, que o carnaval "é uma festa de criança encenada por adultos".   Isso, contudo, se realiza na impossibilidade - onde entra o "não".  Só uma nova ilusão, a ilusão de estarmos sendo “nós mesmos” é que pode se efetivar, e por fim nos dar alguma alegria. O que ocorre, mais uma vez, é outro teatro, outra encenação, que representa - apenas representa, as vezes de forma histriônica - a essência de cada um de nós. Digamos que nessa aproximação com o que, de fato, nós somos, chegamos mais perto do que queríamos ser, do que, de fato, somos em verdade. Em verdade não somos nada.  Nessa catarse carnavalesca chegamos mais perto do irrealizável e do imaginado - mas, como esta escrito, o irrealizável não se realiza. E de onde vem tanta alegria frente a frustração do irrealizável? - quando ponho a palavra “alegria” nesta última frase, percebo-a com  estranheza e chego a pensar de forma absurda que o carnaval, na sua forma mais tradicional,  tem um “quê” de melancolia. Por que digo isso?

Sempre achei curioso que muitas marchinhas e frevos de  carnaval remetem-se a pessoas - foliões, em sua maioria - que já morreram, a lugares maravilhosos que já não mais existem, a épocas remotas e felizes.  O carnaval deixa de ser um festa do momento para ser uma festa nostálgica de tempos inalcançáveis, enfim, o melhor carnaval ocorreu no passado, já passou, e, como uma festa pretérita,  é irresgatável - e, acrescento, igualmente ilusório.  Tendemos a sobrevalorar o passado (em psicopatologia denominamos o exagero desse fenômeno psíquico de  ilusão mnêmica) e essa sobrevaloração cria uma ambiguidade entre o prazer e a dor, prazer em lembrar e dor da irresgatibilidade. A própria palavra nostalgia vem do grego nostos ( regresso a casa) algia (dor) define bem essa ambiguidade. A nostalgia tende a entristecer, a formar um eterno  Pierrot cabisbaixo. Mas de onde vem a alegria, então? 

Quando iniciei os estudos em psiquiatria sempre me disseram - ainda acredito nessa argumentação - que no transtorno bipolar do humor o dominante é a melancolia, a depressão. A euforia seria, por assim dizer, uma defesa à crueldade  melancólica. uma saida caricata para a felicidade. Desse modo, assim como a folia de carnaval, o melancólico defende-se com alegria das crueldades do mundo com alegria.  Uma alegria estranha, escandalosa, tão berrante quanto a máscara que cobre a tristeza.

Marcos Creder

Um comentário:

Carla de Miranda disse...

Um descanso na loucura, quando [é melancolia] usufruída com medidas de deleite e cabimento. Exercício de bochecha, tramela, riso e carpado, ao menos um domingo por ano, sem a dor do tédio que acomete a tantos. Mas no desmedir dos cantos e prantos, a loucura sem descanso, a loucura Coringa. O carnaval costumava ser uma grande festa das memórias de prazer que se sustentam, para ir se tornando uma grande festa dos por-vir-a-ser-alegre. Eu que não sou tão íntima só não sei dizer se vejo, percebo, sinto, leio que essa gente experimenta o presente de cada instante de ladeira, de breja, de fantasia, de frevo e purpurina.