domingo, 21 de fevereiro de 2016

Eco do Passado




Costumamos situar nossos grandes pensadores  num passado remoto que não vivenciamos ou que, se vivenciamos, não tínhamos ainda o intelecto suficiente para conhecê-los mais profundamente. Cientistas como  Einstein, Copérnico  ou  Galileu, escritores como Dante, Cervantes,  Flaubert, ou Proust, filósofos como Platão, Espinoza, Nietzsche ou Heidegger  parecem terem vividos em momentos gloriosos que pouco tiveram o prazer de conhecê-los - pessoas que pareciam que eram extraordinária diariamente. Tendemos, assim como faz a igreja a católica, a canonizá-los, a colocá-los num lugar sobre-humano, e do, mesmo modo que a igreja, a valorizá-los apenas no post mortem - não existem Santos vivos.

Queria, ainda adolescente,  encontrar um machado de Assis, um Camus, ou um Proust perambulando pelas ruas ou ao menos em discurso de jornais.  Percebi que faltava a essas pessoas  inteligentes ou geniais contemporâneas,  o mesmo item cristão – precisavam estar  mortos. Acho curioso, mas entendo que o herói, desde do teatro grego, é aquele que viveu no passado, nos salvou de alguma coisa e já não mais existe. O importante é o valor simbólico, muitas vezes mitológico, desses sujeitos. A pessoa viva atrapalha o herói ou o gênio dentro dela.  Para serem grandes é necessário estarem mortos. No passado, antes de ter esse pensamento em mente,  sentia uma tristeza por viver em anos, supostamente, tão medíocres. Contudo, a mediocridade não estava no tempo, estava na maneira de idealizarmos nossos gênios.   Anteontem, ou melhor da sexta-feira para o sábado,  tomei mais uma vez ciência desse insight. E não foi não sem motivo. Um desses gênios ou intelectuais mais importantes desse e do século passado, havia morrido. Mais uma vez um grande ícone se construiu em minha consciência, poucas horas depois de falecido. Falo de Umberto Eco.

Um fato interessante ocorreu quando ainda assistia às notícias em primeira mão de sua morte: a imprensa deu destaque apenas a três obras de sua autoria, “O Nome da Rosa”, o “Cemitério de Praga” o “O Número  Zero”. “O Nome da Rosa” realmente é uma obra que não poderia deixar de ser lembrada, haja vista a grande repercussão que teve na crítica literário e entre o público em geral – “O Nome da Rosa” foi um Best Seller , num tempo em que livros de qualidade podiam concorrer com mais frequência a lista dos mais vendidos. Todos o leram, ou se não leram, fingiram ter lido -  estes puderam sustentar a mentira com mais firmeza   e familiaridade depois que o livro foi adaptado para o cinema por Jean Jacques Annoud. Os dois outros livros citados pela imprensa foi destacado por serem as seus dois últimos romances, que julguei chatos e medíocres. Mas várias obras poderiam destacar Eco, e mais que isso, Eco era um intelectual completo,  conhecimento além de literatura, em semiótica, era um profundo conhecedor de História, especialmente da Idade Média. Se a História, no futuro se remeter ao século XX, terá muito o que falar em tecnologia e avanços científicos e dirá provavelmente que Eco encerra o período da erudição enciclopédica. E o mais interessante de tudo isso, seu texto podia penetrar em segmentos menos intelectualizados da sociedade – "o Nome da Rosa" é um grande exemplo disso. Naturalmente, obras como “O Pêndulo de Foucault”, “A Ilha do Dia Anterior”, ou “Baudolino” não são textos  fáceis.


Um dos interesses que mais me instigavam em Umberto Eco era justamente seu interesse por livros – mas livros em formato de papel. Umberto eco era um grande colecionista e defensor da obra escrita, costumava dizer que o livro foi uma invenção tão importante quanto a invenção do fogo ou da roda. Dono de uma biblioteca com incontáveis livros,  Eco guardava um certo saudosismo aos pesquisadores de seu tempo e não poupava críticas às redes sociais – “uma legião de imbecis” – e a internet.

Se a história for injusta com esse autor terá que minimamente colocá-lo no lugar dos últimos grande estudiosos que se debruçaram em  livros de papel.


Marcos Creder


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