domingo, 8 de fevereiro de 2015

Infelicidade comum PARTE 1

Uma pergunta boba, mas que muitas vezes faz com que especialistas engasguem ao tentar respondê-las: Qual o objetivo ou o sentido de  uma psicoterapia/análise? Que resultados se tem desse tratamento? Podemos utilizar aqui da palavra “tratamento”?


Não sei se já  disse em outro artigo – provavelmente sim –  mas, conta-se que Freud ao ser abordado por uma paciente que perguntava se o tratamento a faria feliz, ele respondera que “tentaria fazer de sua infelicidade neurótica, uma infelicidade comum”, uma  das frases mais honestas dita por um psicoterapeuta. Afirmo isso porque entendo que nenhum projeto terapêutico que mereça respeito pode prometer mais que isso. Não  promete felicidade,  falta-nos parâmetros de felicidade  – o próprio Freud,  com sarcasmo, disse em "Mal-Estar da Civilização" que a “Criação” não nos contemplou com a felicidade.

Divulga-se com frequência anúncios de encontros, retiros ou palestras terapêuticas com projeto de alívio do sofrimento ou mesmo de cura e de felicidade. Assim como propagandas de alguns remédios, as promessas são de alegria e de bem-estar em prazos reduzidos, frequentemente num final de semana. Em geral, essas terapias  funcionam como livros de auto-ajuda, ricos em recursos motivacionais e em frases de efeito, criam uma felicidade provisória que se encerra na última página. Os efeitos da sugestão, por sinal, ainda é dominante nos métodos terapêuticos, inclusive, na própria medicina. Engana-se quem pensa que a sugestão está restrita aos charlatões. Assim como a substância que compõe o “remédio da cobra”, muitos remédios sofisticados além de ter componentes químicos, trazem efeitos mágicos semelhantes a uma pajelança.  É o efeito placebo. O placebo hoje é um dos principais concorrentes de medicações anti-depressivas.

Se afirmamos que as psicoterapias não trazem felicidade, podemos pensar no oposto? Que não há qualquer vantagem e pelo contrário, podem causar danos? De fato, existem situações que, por razões as mais variadas, ocorrem a reação terapêutica negativa – não concordo com essa expressão as palavras "terapêutica" (tratamento) e "negativas" formam um paradoxo.  prefiro apenas "reação negativa", embora continue sendo forma abrangente e sem especificidade. Freud acreditava que uma parcela de pacientes tendia a sabotar o tratamento alargando no tempo, preenchendo as sessões com  blá-blá-blás que garantiam a resistência e a permanência no sofrimento. Atribuiu-se a parte desses pacientes ao fenômeno do masoquismo moral. no masoquismo moral o sujeito felicita-se em se ver no lugar do sofrimento – algo não raro. Criaram-se  técnicas para interceder nesse destino infeliz do tratamento (veremos, contudo, no próximo artigo).

 A psicoterapia será um tratamento que visa à cura, no sentido médico da palavra? Na medicina, curar é remitir sintomas, devolver o estado de saúde anterior e  manter o silêncio dos órgãos. Há situações, na medicina, que a cura não se estabelece, mas há, um controle da enfermidade – isso compreende a  boa parte das doenças da medicina.  Não se pode dizer que na psicoterapia ocorra cura do ponto de vista médico – embora possa interferir em um ou outro sintoma –, tampouco que funcione como tratamento de monitoramento interminável.  Poderíamos, nesse caso, substituir  o verbo "curar" por "transformar" e as palavras "controle" por "liberdade" – com a ressalva de que a psicoterapia  não é tão transformadora  nem tão libertadora como gostaria de ser.  Como o terapeuta realiza isso?  Quem realiza, na verdade, é o próprio cliente, o cliente faz  sem saber que podia fazê-lo, o terapeuta é apenas um instrumento que conduz a esse saber - saber que tem o poder de transformar.  Essa condução por intervenções que desvelam questões e conflitos remotos do sujeito. Conflitos, que podem  ser construções de fantasia que ganham formato de realidade e que fazem com que o sujeito  se cegue a seus desejos.

Um bom exemplo: o mito de Édipo que tem conhecida história: o filho mata o pai e casa-se com a mãe. Édipo ao tomar conhecimento disso provoca sua própria cegueira... Só isso? Não, Édipo faz tudo sem saber que havia feito, não sabia, enfim, que seu desejo era incestuoso e proibido. Freud aponta esse conflito ao drama familiar em que crimes como o de Édipo acontecem na fantasia das crianças e que, por essa razão, carregam culpas de um crime de realidade e não realizado. Enfim, o analista/psicoterapeuta elucida parte dessa cegueira revelando oráculos construídos  na trama de fantasias infantis. 

Marcos Creder

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