domingo, 1 de fevereiro de 2015

A VIDA É RIDÍCULA






Dizem que o teatro grego começou através de antigas celebrações ao deus do vinho Dionísio. Equivalente ao deus romano Baco, Dionísio era a deidade dos ciclos vitais da vida e de suas festividades. Representado de forma jovial, risonho, alegra e divertido, carregava sempre nas mãos uma taça de vinho ou um cacho de uvas, e constantemente convivia com sátiros, centauros e ninfas, seus companheiros de farra. É mediante o culto ao mesmo que surge a dramaturgia grega. Os atores de então utilizavam-se de máscaras, acompanhados de um coro onde os membros deste cantavam e dançavam. Fazer teatro, portanto, era exaltar Dionísio e cultuá-lo.
Os gregos dividiam as peças teatrais em tragédia e comédia. A tragédia eram histórias dramáticas cujo destino dos personagens já estava traçado a priori pelos deuses. Já a comédia são dramas engraçados (sátiras) utilizados principalmente para se fazer crítica social. Enquanto na tragédia se representava o drama dos heróis e seus destinos, na comédia se representava o homem comum e suas situações de vida. 


Bem, parece que os gregos estavam certos: a vida humana é em si e por si mesma uma espécie de drama, podendo ser um drama trágico ou um drama engraçado. Se o teatro em questão tem uma coisa a nos ensinar é talvez exatamente o que quis dizer o poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca quando afirma que "o teatro é a poesia que sai do livro e se faz humana". 

Em 1999 o filme dirigido e protagonizado pelo italiano Roberto Benigni, A Vida É bela, ganhou aclamação crítica e de público, assim como o Oscar de melhor filme estrangeiro da Academia de Hollywood, entre outros prêmios internacionais. Conta a história de um homem judeu simples e seu filho criança que são encaminhados a um campo de concentração na época da Segunda Guerra Mundial. Inteligente e espirituoso o pai com humor faz que o filho imperceba a crueldade e o horror da realidade vivida e acredite imaginativamente que esteja participando de um jogo lúdico. Pois é, o filme nos leva a nos questionar por que não aproveitar a beleza da vida, ao invés de vivermos estressados, ansiosos e aperreados até mesmo com poucas coisas e coisas pequenas?  Na cultuada letra de música Gracias a La Vida, eternizada na voz da argentina Mercedes Sosa, canta-se: "gracias a la vida, que me ha dado tanto/me dió dos luceros que cuando los abro/perfecto distingo lo negro del blanco". 
O cineasta e ator Charles Chaplin gostava de dizer que "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos". Já a escritora Clarice Lispector reconhecia que "viver ultrapassa qualquer entendimento". O pensador romano Sêneca nos mandava viver a vida como se fosse um dia, pois o dia é por si próprio uma vida. Este é o âmago da ideia contida na expressão latina carpe diem, ou seja, colha o dia, aproveite o dia, desfrute a vida. Versava o poeta grego Homero, em seu poema Odes, "carpe diem, quam minimum credula postero".
Não, não são apenas as cartas de amor que são ridículas, como dizia Fernando Pessoa. A vida, a vida humana, tem o seu quê de ridículo. Dizem que o físico Einstein, com ironia, afirmava que "só duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana". E ele não estava seguro sobre o primeiro. Sim, muitas vezes, e não são poucas, somos verdadeiramente ridículos. E por que somos ridículos? Porque somos dignos e merecedores de riso. É ridículo, por exemplo, importarmo-nos mais com a opinião alheia do que fazer o que você quer e gosta pra ser feliz. As pessoas, muitas delas, têm receio de parecerem ridículas frente as outras e por isso se contêm e tornam inautênticas. Isto não é ridículo? Quantas situações dramáticas que vivemos e tempos depois a lembramos achando graça? Rimos delas pois o humano por ver o humano ou pelo olhar dramático da tragédia ou pelo olhar dramático da comicidade. A vida é uma coisa séria, vá lá, mas é a vida humana que ao dar seriedade demais à vida se torna passível de riso e de boas gargalhadas até. Nós podemos usufruir da prerrogativa do prazer em rir.
Não sei se somos os únicos seres viventes que podemos sorrir. Porém jamais vi qualquer outro animal ou planta, mamífero réptil ou vegetal sorrir. Parece que somos os felizardos em usufruir do prazer de rir. Dizem que a hienas riem, mas seu riso não é diversão, alegria ou contentamento. Eles riem e gargalham para estabelecer hierarquias sociais e para pedir ajuda. O resto é anedotário. Até prova em contrário só o ser humano realmente ri, e aprende a rir antes mesmo de aprender a falar. 
Rir é saudável, relaxa tanto o corpo quanto a mente.Quem ri braceja alegria. Quem é alegre ri. Rir - dizia Freud - liberta a tensão e o que reprimido que nos habita. O historiador francês Georges Minois, autor do clássico livro A História do Riso e do Escárnio, afirma que "sem a liberdade de rir, de caçoar e fazer humor, não há progresso da razão". Os gregos da Antiguidade entendia que rir era uma das principais virtudes humanas e que foi doada à nós pelos deuses. Ou como lembrava Aristóteles "o homem é o único animal que ri". O filósofo francês Henri Bergson teoriza que rimos quando notamos certa rigidez mecânica quando seria de se esperar a maleabilidade atenta e a flexibilidade vívida de uma pessoa". O riso, assim, rompe com a mecanicismo e o automatismo da vida contemporânea. O riso, portanto, faz parte da especificidade humana. E não tem nada mais risível que o próprio ser humano.
A vida humana é risível no que ela tem de mais humano: o ser humano. É risível o funcionário puxa-saco do chefe, assim como é ridículo quando fadados ao insucesso buscamos em ser perfeitos e divinos. É engraçado ver pessoas dormindo na rua só pra tentarem ser os primeiros a comprar o Ipod da última geração em lançamento. Quer coisa mais estúpida que uma multidão se vestindo de maneira igual com as cores da moda e seguindo "conselhos" televisivos sobre como se comportar ? É igualmente risível quando alguém se vira pro outro e dia "você sabe com quem você está falando?", e nem percebe o ridículo da pequenez de seu suposto sentimento de superioridade. É como dizia o escritor inglês Oscar Wilde: "o gênero humano sempre meteu a ridículo os próprios dramas. Como é que os poderia ter suportado de outro modo? É por isso que tudo que o gênero humano levou a sério releva do lado cômico das coisas".
Vejo, pois, agora, discorrido o que até então meditei e dissertei, o quão ridículo foi a escolha do título acima; afinal não é a vida que é ridícula. A vida apenas é. Não é feia nem bela, não boa ou má. A vida, a vida de cada indivíduo e ser vivo, é somente um pequenino espaço de tempo concebido entre a concepção e a morte: é aquilo que decorre neste estreito temporal. É o que fazemos com ela que muitas vezes pode ser ridículo, pois se alguma coisa de ridículo existe é o próprio ser humano e seus gestos. A natureza e a vida pode nos ter propiciado a qualidade de rir. Porém quem faz o risível somos nós. 

Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Ranúzia Lima disse...

"E que você descubra que rir é bom,
mas que rir de tudo é desespero" (Frejat) Será? Nunca concordei muito com essa música e depois de ler teu texto discordo mais ainda. Pensando bem, tudo é ridículo. A vida é ridícula também, não só os seres humanos.Ridícula pq a gente faz com que ela seja assim. Portanto, eu, vc, esse texto, as risadas que estou dando agora, as lágrimas que já derramei, as bobeira que escrevo, o que vou sofrer ainda sabendo que é passável. É tudo tão ridículo que nem sei pq ridiculamente estou deixando esse comentário aqui. Talvez pelo gostinho de ser ridícula publicamente. Isso está me atraindo ultimamente!