O mundo de repente calou-se. Nenhum som, sequer nenhum ruído. Toda uma calmaria me cercou no emudecimento do cosmos, feito uma casa retirada de crianças e dos demais adultos. Na solidão em que me imponho dilata-se o vazio das coisas vivas, enquanto me debruço além da garganta, das epidermes e dos ossos. Ouço-me ao estender-me para dentro na quietude morna e comedida das ressonâncias agora outonais de verões passados. Sinto em meu rosto o sol em plena noite. Transformo-me em uma agigantada madrugada sem fim desabafando gemidos de um outro silêncio que desabrocha no tremeluzir profundo das minhas ocultas entranhas.
Poderia iniciar assim um esboço de texto se pretendesse fazer aqui literatura. Poderia ser um conto, uma crônica ou uma prosa poética qualquer. Porém, meu presente intuito é apenas abordar a temática em termos de um pequeno ensaio. Perdoem-me se fiz pensar tratar-se de outra coisa, mas vamos, então, ao que interessa, isto é, penetrar nos espaços onde os sons corriqueiros não entram e cuja a vida, como escreveu o poeta Rainer Maria Rilke, "perdura ao lado da nossa, que passa". Voltar-se a si mesmo. Escutar o indizível. Reconhecer os mais inaudíveis ruídos e sonidos. Ir aonde o ouvido não vai. E ouvir o silêncio que sempre está por detrás do silêncio.
A agitação nos distrai. No alvoroço da vida banal muitas são as vezes em que nos multiplicamos e nos fragmentamos, nos diversificamos. É necessário um certo afastamento de tudo, ingressar no ócio, para que possamos refletir, desenvolver nossos potenciais, conhecer e melhorar quem somos. Damásio, em seu livro "O ócio criativo", diz que precisamos descansar a mente através do ócio criativo que, segundo ele, é aquela trabalheira mental que acontece quando ficamos parados. Ociar, diz Damásio, não significa não pensar; significa não pensar regras obrigatórias, não ser assediado pelos relógios e não obedecer aos percursos de certas racionalidades. Não forcemos, pois, o germinar que se inicia no afastamento dos pensamentos não pensados. Sem pressa permitamos o amadurecer das palavras escurecidas rumo ao parto de sua luz. Deixemos o fluir do questionar das verdades prontas e nos coloquemos a desaprender, como ensina Barthes, tudo o que temos aprendido. É necessário, portanto, não conhecer para ter anseio de conhecer. É como escrevem Gilberto Dimenstein e Rubem Alves, em "Fomos maus alunos", "o aprendido se agarra de uma forma terrível e é o aprendido que impede que eu aprenda uma coisa de uma maneira diferente". Nossas certezas e nossas verdades são impregnadas de talvez.
Não apenas ouça, mas espere.
Não apenas espere, mas fique sozinho em silêncio.
Então o mundo se apresentará desmascarado.
Em êxtase, se dobrará sobre os seus pés."
Se fosse fazer deste meu texto aqui um outro texto (mais poético ou literário) talvez eu continuasse o que o acima iniciei da seguinte maneira e curso:
Agora que o silêncio me toma e me apodera estou tão despovoado de tudo e de todos que posso ouvir o passar dos minutos, o murmurar dos objetos e o acasalar das formigas. A nitidez em que me encontro assusta-me. Receio o encontrar das respostas a perguntas que nunca ousarei fazer. Na vastidão deste silêncio impoluído algo se move e suspira. Chego a sentir em minha nuca o segredar de seus respiros. Reconheço o frágil som de sua voz que vem lá do fundo do baú da minha memória. Sou eu, menino, que na inalação do adulto se exala. E me fala a linguagem pura e sensível das crianças. É quando o emudecer do universo explode em sons variados e infinitos. E todo o mundo, o mundo inteiro, se vê invadido por uma estranha e nova polifonia, de sons, significados e vozes. Na ausência das palavras, o silêncio, então, baila brincante na festa que ele criou.
Talvez o texto que jamais farei discorresse assim.
Talvez...
Talvez...
Joaquim Cesário de Mello
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