domingo, 15 de outubro de 2017

A POESIA QUE NOS DESNUDA

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"A psicanálise nasceu com a descoberta de que as palavras são cheias de silêncio", escreveu certa vez Rubens Alves. Alma humana muito tem a dizer de si e muito fala sem o uso das palavras faladas ou pensadas. Os poetas também sabem disso, bem antes mesmo que o surgimento da psicanálise. A poesia desvela pronuncias e dizeres que habitam no silêncio. Um poema, um bom poema, não nos revela o desconhecido propriamente dito, mas sim muitas vezes o que jazia esquecido. Entende-se assim os seguintes versos de Jorge Luis Borges: "quando menino, eu temia que o espelho/me mostrasse outro rosto ou um cega/máscara impessoal que ocultaria/algo na certa atroz". No silêncio moram sonhos, lembranças e imaginações.
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Um poema se constrói com a linguagem da mente. Não há poesia, nem no mais belo amanhecer ou crepúsculo, se não houver uma alma a contemplá-los. Juan Luis Vives, que viveu entre os anos 1493-1540, reconhecia que "nenhum espelho reflete melhor a imagem do homem do que as suas palavras". Não as palavras que nos escondem no povoar do cotidiano. Porém as palavras que emergem do poço fundo de nossas entranhas. Por detrás do meu eu familiar encobre-se um homem em mim estranho.
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A poesia tanto nos encanta quanto nos desencova. |dize-me caro(a) leitor(a) o que vês ao ler este poema de Carlos Drummond: "Sonhei que o sonho se forma/ não do que desejaríamos/ ou de quanto silenciamos/ em meio a ervas crescidas,/ mas do que vigia e fulge/ em cada ardente palavra". Percebes que o poeta está a tentar tornar o indizível em exprimível? Que a poesia é o interior da alma ancorada pelas palavras? E que um poeta é aquele que está a testemunhar o que perdemos de consciente? Fala-nos Florbela Espanca: "só quem embala no peito/dores amargas e secretas/é que em noites de luar/pode entender os poetas". Com a poesia é que podemos vislumbrar a vida secreta e imaginária da alma humana.
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Alguns podem dizer que poetizar é resultado por processo psíquico da sublimação. Em termos físico-químico a sublimação é a passagem de uma substância em estado sólido diretamente para o estado gasoso. Em termos psicanalítico sublimação representa a gratificação/satisfação de um desejo/pulsão em termos socialmente positivos. A poesia escrita, embora faça uso das palavras, usa da linguagem para manifestar o sensível. A poesia subverte o que diz Adélia Prado ("a palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,/foi inventada para ser calada"). A fala poética, por sua vez, evoca o que existe vivo e pulsante na vida vivida.
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Se a psicanálise brotou próxima dos sonhos, a poesia ela mesma é um acordar para dentro. "Sem Poesia não há Humanidades. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma", afirma Teixeira de Pascoaes. Freud já dizia que os poetas são os mestres do conhecimento da alma.  O médico e também escritor português Fernando Namora afirma: "a minha poesia é assim como uma/vida que vagueia/pelo mundo, por todos os caminhos/do mundo,/desencontrados como os ponteiros de um relógio velho". Já Adélia Prado inicia um poema dizendo: "a mim que desde a infância venho vindo,/como se o meu destino/fosse o exato destino de uma estrela". Assim, não é difícil enxergarmos uma articulação possível entre psicologia e poesia. Um poeta é antes, e acima de tudo, uma criança brincando com o mundo e as profundezas de si mesmo.
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O dizer poético pode muitas vezes ser tão esfíngico quanto a alma humana, pois é dela que brota o bom poema. Tanto a Psicanálise, como proposta por Freud, quanto a poesia brotam da mesma fonte: as palavras e sua força. Como declama Florbela Espanca. "só quem embala no peito/dores amargas e secretas/é que em noites de luar/pode entender os poetas".

Joaquim Cesário de Mello

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