domingo, 15 de novembro de 2015

A Geração Cabisbaixa - parte I


A vida de Rebeca (personagem fictício) era organizada até lhe ocorrer um contratempo bastante angustiante. Enquanto aguardava na sala de espera de vários consultórios - podia ter sido numa fila de banco, num supermercado, no shopping etc  - verificou que seu aparelho celular não funcionava, estava apagado. Procurou, então, um carregador na bolsa, pois nunca lhe faltaria um acessório desses para uma pessoa precavida, pensou com sentimento de triunfo. Pôs na tomada e... Nada. Nenhum sinal. Num átimo, um calorão tomou-lhe  a face, e, na sofreguidão, invadiu-lhe uma vontade súbita de ir embora, correr "louca" na rua, como pensou quase em voz alta.reconheceu o exagero ou a histeria, mas angústia, enfim, tomara seu corpo e sua alma. Estava sozinha no mundo. Seus amigos, sem poder socorrê-la, estavam  ali, naquele aparelhinho, silenciados pela pane e, talvez, até já  preocupados com sua ausência, pois quem a conhece, sabem que  Rebeca digita um inesquecível e inadiável  “bom dia” aos grupos de whatsapp das amigas da faculdade, das colegas do trabalho, dos familiares, das amigas da academia, e, - sim! - das mães do colégio de suas crianças. Naquele momento em que consultara o celular iria justamente  abrir o aplicativo para dizer-lhes mais um aconchegante e caloroso BOM DIIIIAAAAAA!!!!!!!  - assim mesmo, cheio de vogais, de exclamações, emojis de coração e carinhas sorridentes.

Rebeca, beirando o descontrole,  estava ali no meio de pessoas desconhecidas da sala dos consultórios, sequer sabia os seus nomes, como fossem estrangeiros ou falassem outra língua - não esboça, contudo, nenhuma vontade de querer conhecê-los. Como estavam todos cabisbaixo, digitando ou alisando as telas dos seus  celulares, talvez, pensou, pudesse pedir emprestado a um deles, mas, concluiu, seria muito invasiva, ou mesmo mal educada, já teria dito, inclusive,  a alguém, que celular é um objeto extremamente pessoal. Rebeca resolveu, como se tivesse tido uma ideia iluminada, ligar do telefone fixo do consultório  para alguém de sua casa e pedir para avisar que o seu celular estava quebrado. Foi em direção à secretária, pediu por gentileza, palavras suas, para usar o telefone convencional, tomou o aparelho nos ouvidos e, assim que escutou o sinal de liberação de linha, percebeu que não sabia o número de casa, esquecera que desde que trocou a operadora  de banda larga, havia trocado o número, a operadora de TV a cabo e, inclusive, o próprio número de celular, que veio a perceber depois que também não se recordaria, caso precisasse - mas anotara num pedaço de papel que carregava em sua bolsa.

Sem dar satisfação saiu as pressas do consultório entrou no carro, descobriu também que não sabia voltar para casa, pois o waze, o aplicativo “formidável” que lhe ajuda não só a chegar nos lugares, mas também a desviar dos frequentes congestionamentos na cidade, estava igualmente  adormecido no celular. Decidiu, então, ser mais prática, foi a rua a procura de um táxi, e ao chegar no ponto, não havia carros, sequer alguém para dar recados,  os taxistas tinham ido buscar seus passageiros pelo 99 Táxi, que é muito mais prático e seguro. Além do mais, tinha a comodidade de poder pagar com cartão de crédito - Rebeca descobriu, ao pensar no aplicativo de táxis, que também estava sem dinheiro, na verdade, ainda lhe sobrará algumas moedas. Teria que procurar um computador para entrar no facebook e pedir ajuda no menseger, pensou. Perguntou a um passante onde haveria uma Lan House e teve mais uma infeliz descoberta, a maioria fechara com a onda de smartphones.

a única ideia que lhe ocorreu a cabeça era voltar ao consultório e pedir para a secretária lhe emprestar o computador, que fazia a marcação dos pacientes, para que, via facebook, se reconectasse com alguém, especialmente com Roberto, seu marido. E assim o fez. Ao digitar o seu e-mail, vira que teria que digitar a senha, mas que senha é essa?, perguntou-se e continuou, No meu telefone celular já se abre o facebook sem protocolos!. mas era inútil, não lembrava da senha apesar de ter digitado várias simulações de possíveis combinações numéricas com datas de aniversários, nomes de pessoas, variando maiúsculo com minúsculo. Rebeca, então, já sem cerimônia perguntou a secretária se tinha facebook. Com a confirmação restava pedir para adicionar Roberto como amigo, mas essas confirmações  demoram, senhora! - disse a secretária. Você não conhece meu marido!, interrompeu Rebeca com um sorriso medonho. E, realmente, não se passara nem um minuto para que a confirmação se efetivasse. A secretária boquiaberta, tinha um novo amigo, Roberto, um sujeito sorridente com a paisagem da Torre Eiffel atrás. Nesse momento, a secretária ainda surpresa entregou o PC a Rebeca que pediu socorro ao marido com vários sinais de emojis.   Ao já confirmar que o marido viria buscá-la, Rebeca ouviu seu nome numa voz imperativa: Rebeca!, quem é Rebeca?

Era um sujeito de meia-idade que a chamara para o primeiro atendimento em psicoterapia. Rebeca levanta a face sorriu e observou que todos na sala de espera estavam de cabeça baixa.

Marcos Creder

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