domingo, 11 de janeiro de 2015

"Nascemos originais e morremos plágio" Millôr Fernandes



No meu último artigo aqui no literalMENTE falei da repetição e agora, motivado por filme que assisti nesse intervalo de 15 dias  continuarei com esse tema.  Ando percebendo que o cinema, nos últimos anos,  tem se mostrado pouco criativo, embora que possa citar uma ou outra exceção. Confesso que hoje para assistir a filmes, prefiro que tenham previamente me  recomendado ainda assim demoro-me, protelo  – o passar do tempo me deixou impaciente e duas horas de filme  soa-me como perda de tempo.  prefiro perder tempo lendo, conservo a teimosa ideia  de que os filmes são inferiores aos livros – sei que é um equívoco.

O filme que assisti é pouco conhecido das pessoas e seu título é pouco atraente – “Cópia Fiel” de Abbas Kiarostami diretor que guarda alguns premios. Do filem não escutei comentários - nem contra nem a favor. Talvez para o cinéfilo,  esse filme seja não só conhecido, mas obrigatório - estou longe  desse lugar. O filme tem um enredo que, de início, parece comum – faz lembrar aquela trilogia “Antes do Amanhecer”  em versão menos juvenil ou européia e mais iraniana, haja vista seu diretor. Mas não é só isso: nos primeiros minutos de exibição, observa-se que se vai dissolvendo o lugar-comum  e o roteiro  adentra em território de eventos surpreendentes – tive sensação semelhante quando assisti, há muitos anos, à "Uma Simples Formalidade” que me tirou de um longo tédio e me atirou   no susto nos seus minutos finais.  Digamos que em “Cópia Fiel” essa virada ocorre gradativamente..


O filme tem boa, ou melhor ótima, locação: a Itália,  a região da Toscana e a fotografia é maravilhosa.  Narra um encontro inusitado entre um filósofo-escritor - que viera lançar um livro na Itália - e uma mulher, dona de uma galeria de artes. O título do livro é justamente o título do filme: “Cópia Fiel”.  O livro desenvolve, com erudição, o tema do “original” e a da “cópia” como caprichos da sociedade moderna-contemporânea, citando como exemplos as obras de arte. Segundo o autor/personagem, a ideia de originalidade cai por terra, na medida em que as criações são sobreposições de criações anteriores. Discute-se o “original” e a “cópia” como influência e/ou como  falsificação  e, entre essas duas condições, várias repetições. O filme poderia ser resumido com a famosa frase de Millôr Fernandes de que "nascemos originais e morremos plágio". No diálogo-passeio estabelecido pelo casal, se propõe que a ideia de estudar a cópia fiel está  além de uma escolha acadêmica. Escolhemos temas de acordo com nossas faltas e repetições e  é justamente das faltas que vem o desejo. O filme faz lembrar que mesmo que tentemos nos distanciar de nossas escolhas, caímos em armadilhas do desejo. Como disse Francoise Dolto: "no jogo do desejo as cartas são marcadas e os dados viciadas".

O filme também me fez lembrar o livro de Jensen “Gradiva” que foi analisado minuciosamente por Freud e que se fez referência ao círculo que fazemos e percorremos para cair mais ou menos no mesmo lugar. Mesmo o mais sábio dos sujeitos cai em armadilhas tão convencionais que se surpreendem com a repetição. 

Marcos Creder

Obs: observei que a leitura desse artigo acima poderá ser prejudicada na compreensão. Preferi manter as imprecisões a ter que contar o filme. Falar mais seria dar spoiler.

Um comentário:

Alice disse...

Esse tema da repetição é surpreendente, pois em tudo podemos observar.
Então o que há de original nessa vida? bom tem que ter havido um início.
Mas eu pessoalmente não procuro mais por nada original, acho que encerrei esse capítulo.