quinta-feira, 27 de março de 2014

ESPAÇO DO COLABORADOR

Bom dia, caros colegas! 
Segue abaixo um texto que escrevi há um ano, quando conheci o Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambuco, localizado em Recife, Pernambuco. 



Gostaria de relatar um fato que ocorreu comigo esta manhã. Sou estudante de Psicologia e estou no sexto período. Hoje tivemos a nossa primeira visita ao Hospital Ulysses Pernambucano, aquele na Tamarineira, conhecido como o “hospital dos doidinhos”!
“Cuidado, não fiquem na parada de ônibus na frente dele, pois um doido pode chegar e te amedrontar!” Quem nunca fez uma piadinha dessas?
Um dia, estava em uma reunião familiar conversando sobre meu curso de Psicologia e alguém disse: ah, Carol! Você vai estudar Psicologia? Vai cuidar dos doidos?
Por alguns minutos, fiquei em silêncio, e uma tia que estava perto disse: “Não, meu querido. Ela vai cuidar de mentes apenas diferentes das nossas”.
Mentes sábias... Guardei na minha memória por todo esse tempo e, hoje, ao visitar o hospital, refleti muito.

Chegamos por volta das sete e meia da manhã para nos encontrarmos com o professor da disciplina Psicopatologia às oito horas da manhã. Desde que entrei já me surpreendi com a imensidão de mangueiras e passarinhos cantando pelo espaço. De início, um lugar bonito, aparentemente calmo, bem diferente daquela representação que costumamos fazer de clínicas psiquiátricas, os famosos hospícios... Que coisa boa, que leveza. Quando meu professor chegou, entramos no hospital e fomos pra uma sala de aula, para que pudéssemos nos apresentar e falar das nossas experiências com pacientes de saúde mental. Apesar de não ter experiência, estava muito curiosa para conhecer o local, conhecer as pessoas internadas, sentir a ENERGIA.
Ao iniciarmos o nosso “passeio”, atravessamos um corredor e, vez ou outra, um paciente se aproximava do nosso grupo de estudantes. Olhares curiosos, admirados. Outros tristes, angustiantes. Outros acompanhados, mas distantes. Outros engraçados, mas temerosos.

Ao conhecer o local, enquanto o professor contava a história do local e a funcionalidade das áreas, observava aqueles pacientes, aqueles outros tão próximos e tão diferentes de mim. Durante essa manhã, passamos por todas as alas do hospital. Tivemos a oportunidade de observar tudo o que estava ao alcance dos nossos olhos.
Todos os estudantes, meus colegas de curso, possuem uma boa percepção, mas vi que cada um teve um olhar diferente, um olhar único. Estou surpresa com o que aconteceu comigo, pois, enquanto observava aquelas pessoas, sentia um alívio, pois pensei: “É melhor do que eu imaginei. Apesar do receio, tudo o que vejo não irá me impressionar. Não sentirei emoção, não vou levá-los para fora comigo. Não os levarei para o meu mundo. Eles passarão por mim, e ficarão onde estão”.
Isso me deixou tranquila durante toda a visita, mesmo observando sujeitos tão distintos de mim, incomuns, únicos.
Saí de lá sem pensar. Fomos para a faculdade e assistimos à aula.
Mas, ao me deitar pra dormir agora, mil pensamentos vieram à minha cabeça. Essa noite, sai pra jantar e, na volta, passei na frente daquele hospital. E lembrei que tinha passado a manhã por lá, observando a vida de todos. Como eles estão agora? Com quem? Já comeram? Estão sendo bem tratados?
Um cheiro que eu achava que tinha esquecido penetrou na minha memória. Sinto o cheiro dali, vejo as pessoas exatamente como elas estavam, e me deu uma angústia, ao lembrar olhares profundos que alguns trocaram comigo.
De Hospital dos Alienados para Hospital Ulisses Pernambuco. Como estamos hoje, frente a esses sujeitos? O nome mudou, a quantidade de pacientes diminuiu drasticamente. Onde antes existiam em torno de 1000, hoje existem 80. Mas o mundo aqui fora mudou. Será que lá também? O que eu poderia fazer para ajudá-los, para não me tornar mecânica para essas pessoas? Lembrar que são seres humanos, de corpo e alma. Ainda são seres humanos, ainda são sujeitos. Ainda precisam de nós. Sempre precisarão de um olhar sem preconceito.

Julgamos sem conhecer, somos temerosos com o desconhecido. Falamos do outro para outro. Falam de nós para outro. Julgamos, julgamos. Medo do que não precisa temer.
Medidas compulsórias para limpar um espaço, limpar uma sociedade. Retroceder, quando precisamos evoluir. Que não percamos a sensibilidade. A vida não é fácil, não mesmo.

 Carolina Lima (estudante Psicologia/UFPE)

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