quarta-feira, 25 de março de 2020

DIÁRIO DE AULA FAMÍLIA: PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMOR


Olá gente, vamos reiniciar de onde fomos forçadamente a parar.

Como vocês se lembram iríamos começar o tema AMOR. Não o amor dos filmes, da literatura romântica, dos clichês, das frases prontas, das novelas ou dos sonhos e aspirações. Vamos nos debruçar sobre o afeto, seja ele o que realmente for.


Lembremos que ninguém nasce amando, ou sequer com ciúmes, pudores, moral, ideologias, vergonha, culpa, etc. Do ponto de vista dos afetos podemos dividi-los tanto em afetos positivo (aqueles que gostamos e nos faz bem) quanto afetos negativos (aqueles que não gostamos de sentir, e que sentindo-os nos incomoda e desassossega). Mas, também, podemos classificar os afetos como primários e secundários, a saber:

AFETOS PRIMÁRIOS; que já estão presentes no início de nossas vidas (afetos inatos), tais como o medo, a ansiedade, a tristeza, a raiva e a alegria, mesmo que de forma ainda rudimentar.
AFETOAS SECUNDÁRIOS: que são desenvolvidos a posteriori (depois), com o desenvolvimento a experiências interpessoais humanas. Também podemos denominá-los de AFETOS SOCIAIS, pois são desenvolvidos através de nossos relacionamentos sociais, desde o grupo primário (família) até o grupo secundário (escola, vizinhança, por exemplo).

Nossa primeira escola afetiva é a infância e é de lá que trazemos muito de nossa bagagem emocional à vida adulta. E como vai surgir os chamados afetos amorosos dentro do psiquismo humano? Vamos lá...

O ser humano nasce sem ainda conhecer o mundo que o circunda e muito menos as pessoas que nele habitam. A mente humana primariamente é solitária, isto é, é vazia de pessoas (ou de objetos internos em uma linguagem mais psicológica).

Elisa professora de ARTE: Abril 2018Lembrem-se da velha pergunta QUANTOS LADOS TEM UMA BOLA? A resposta é DOIS, o lado de dentro e o lado de fora. Pois é, analogamente também podemos indagar quantos lados tem uma pessoa? DOIS: o lado de dentro (que chamamos de MUNDO INTERNO) e o lado de fora (MUNDO EXTERNO) O que vai se formar dentro da mente são representações psíquicas de experiências (OBJETOS INTERNOS). Tais OBJETOS INTERNOS são internalizações das vivências que vamos tendo com as pessoas humanas fora de nós (OBJETOS EXTERNOS).

Bem, evidentemente que um neonato ainda não tem representações internas dos objetos externos. O psiquismo vai gradualmente formando. A mente rudimentar é, portanto, anobjetal (ausência de objetos) e amúndica (ausência de mundo), sem qualquer noção da existência de qualquer coisa que não seja ela mesma. Aliás, também ainda não há dentro do psiquismo rudimentar de um neonato uma PERSONALIDADE, uma PESSOA formada. A personalidade e a pessoa vai se desenvolver ao longo de nossa existência, principalmente nos primeiros anos de vida extrauterina (vide disciplina DESENVOVIMENTO DA PERSONALIDADE).

Ora, se mente humana primitivamente não percebe nada que não seja ela mesma (suas sensações corporais de prazer e desprazer), então podemos também dizer que tal psiquismo primário se “acha tudo’.

Sabemos que isto é uma pura ilusão da mente que originariamente continua funcionando fora do útero materno como se fetal ainda fosse. Como bem descreve Margaret Mahler, o nascimento psicológico vem depois do nascimento biológico. Retornarei a Margaret Mahler no próximo texto.

No início da existência humana além do útero a noção de Eu é tão somente um potencial a se realizar. E o Eu nasce, posteriormente ao nascimento biológico, através da relação com o ambiente cuidador. 

O bebê vai gradualmente se descobrindo dependente de alguém. É como se o psiquismo fosse aos poucos se dando conta de que não é uma solidão existencial ou solidão essencial como dizia Winnicott, isto é, ela não está só, ela não é tudo. A mente vai descobrir a mãe, ou mais precisamente seu primeiro objeto, seu primeiro não-eu.


É através dos cuidados maternos, no interjogo das gratificações e frustrações, que surge o objeto externo frente aos olhos infantis. É a mãe quem o sustenta, é a mãe quem o alimenta, é a mãe quem o protege, é a mãe quem o agasalha, é a mãe quem atende suas mínimas necessidades, é a mãe...

       É com este objeto materno que o ser humano toma contato e desenvolve seus primeiros afetos secundários. Decididamente, a mãe é o primeiro objeto para onde a energia psíquica e atenção do bebê se dirige. A mãe é o objeto que satisfaz, ou frustra, nossos mais íntimos desejos de então.

  No principiar da vida é da natureza psíquica humana ser narcísica. Narcisisticamente nos “achamos” ou nos sentimos TUDO. Pensamos (e aqui o pensamento ainda não é linguístico ou simbólico, nem regido por qualquer Princípio de Realidade, mas sim pelo Princípio do Prazer, um pensar primitivo e sensório-motor) que somos AUTO SUFICIENTES, ONIPOTENTES, COMPLETOS, enfim PERFEITOS. Contudo isto não condiz com a realidade, pois na verdade um bebê humano é DEPENDENTE ABSOLUTO, IMPOTENTE e frágil frente à satisfação de suas próprias necessidades, INCOMPLETO, enfim IMPERFEITO. Eis aí nossa primeira adaptação psíquica, que conjuga-se ao se ajustar a um mundo extrauterino, nosso primeiro e fundamental conflito entre o Princípio de Prazer e o Princípio de Realidade. Caso o bebê não venha ao mundo com nenhum “defeito de fábrica” a realidade sempre vence, ao menos em grande parte.

Resultado de imagem para SIMBIOSE, MÃE BEBEO descobrir-se dependente, vulnerável, incompleto e imperfeito não deve ser uma tarefa mental fácil ao psiquismo ainda em formação. Aos poucos vai se desvanecendo as ilusões narcísicas, e a realidade, o mundo, a mãe e os outros vão tomando forma e contorno no campo perceptivo e sensível do aparelho psíquico. Mas a mente ainda vai lutar para manter a ilusão narcísica de onipotência, completude e plenitude. Descoberta a mãe, e sua dependência em relação a esta, a mente que antes se “achava” TUDO cede espaço à mãe ilusoriamente fálica, isto é, se antes o psiquismo de um bebê se considerava TUDO, agora – reconhecida a existência do objeto cuidador – ele é TUDO para a mãe.   

        Mais um vez nossa mente nos engana, ilude-se. Embora possa ser a criança a coisa mais importante da vida de uma mãe, ela não é TUDO para a mãe. Saudavelmente mesmo que um filho represente a realização de muitos dos desejos maternos, o filho não é a realização de todos os desejos maternos. Estamos, pois, no âmbito da simbiose.

 Para não ficar extenso e cansativo, continuarei segunda o assunto....

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom. simplificou muito bem. Obg.