Na aula postada ontem (vide texto abaixo) citamos a
etimologia da palavra paixão (pathos).
Agora vamos nos dedicar mais ao amor. Etimologicamente sua origem é latina cuja
grafia é idêntica amor, cuja raiz é amma (sonoridade infantil chamando mãe)
+ or (efeito ou consequência). O sentido expresso no termo é claro: amor é
uma resposta afetiva. Será? O que é amor, esta palavra tão gasta e vulgarizada
em nossos dia-a-dia?
Seja
o que for amor ele é um afeto, ou faz parte da nossa vida afetiva. Inicialmente
parece ter a ver com carinho e cuidado. Como todo afeto o amor é fundamental na
criação de nossos laços afetivo com os outros. Uma única palavra, porém com
diversos significados, tais como amor físico, amor materno, amor fraterno, amor
erótico, amor platônico, amor cristão, amor ao seu time de futebol, amor à
vida...
Sábio eram os gregos, pois tinham
várias palavras para significar vários tipos de amor, tais como Philia (amizade), Pragma (praticidade), Storge
(pais e filhos), Eros (atração), Ágape (doação), entre
outras. Cada palavra, cada termo,
descreve o amor em suas diversas facetas. Assim, por exemplo, quando
encontramos na Bíblia, no Evangelho de João, a expressão “Deus é amor”, em
grego se escreve Ágape.
Bem,
nossos ancestrais portugueses foram mais econômicos com as palavras e enxugaram
tudo em uma única: AMOR. Genericamente podemos definir amor como um conjunto de
sentimentos de carinho, ternura, afeição, que se desenvolvem entre os seres que
possuem condições de demonstrá-los. Nossa ênfase aqui, neste momento, é nos
centrar naquele amor que os gregos chamavam de Eros. Eros envolve a atração
física, mas também a atração afetiva. É o amor dos casais. É o amor em sua
natureza dadivosa, ou como dizia Saint-Exupéry “o verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem”.
Hoje vivemos uma fase em que
casamento e amor estão associados, isto é, casa-se por amor, muitas vezes. Mas
historicamente antes não era bem assim. Devido ao curto espaço aqui no blog
orientamos os interessados na história e na ideologia do amor conhecerem o
artigo “Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações”, publicado
na revista Psicologia: Ciência e Profissão, de autoria de Maria de Fátima Araújo,
através de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932002000200009&script=sci_arttext.
Para maiores aprofundamentos, imprescindível o clássico livro HISTÓRIA DO AMOR
NO OCIDENTE, de Denis de Rougemont. Livro difícil de encontrar, talvez nos
sebos da vida.
Herdamos de Platão a fórmula do
amor: “amor é desejo, e desejo é falta”. Porém há uma aparente contradição
nesta fórmula, ao menos em termos de permanência e continuidade do amor. Se
amor é desejo e se desejo é falta, então amamos o que nos falta, ou a falta no
direciona a amar e a buscar. Acontece que se conseguimos atingir nosso objeto
de desejo (objeto do amor), então ele não mais nos falta, visto que o “possuímos”.
E se desejo é falta e se não nos falta mais o objeto, então não mais desejamos.
E se amor é desejo, e se já “possuímos” nosso objeto de desejo, então por não
haver mais falta não há mais desejo, assim como sem haver desejo não há mais
amor. Complicado, não? Imagina o imbróglio filosófico da questão.
Pois
bem. A contradição acima está na estreita relação entre amor e desejo. A saída
à “sinuca de bico” nos foi dada inicialmente por Santo Agostinho. Ele, sem
abandonar a ideia platônica de que amor é desejo e desejo é falta, nos propõe a
compreender a questão nos seguintes termos e significados: quando se tem o
objeto do desejo assim o tem no presente. O desejo permanece frente ao incerto,
ou seja, o futuro. O desejo que subjaz e persiste no desejo que se realiza na “posse”
do objeto amado é o desejo de continuar com o objeto, visto que o amanhã é
sempre algo ainda não atingível (e por isto nos falta) e quando o amanhã chega
ele não é mais amanhã é presente, presente este que é sempre e constantemente
contingente e passageiro.
Ora,
caro leitor, o que isso tudo acima quer dizer é que amar é zelar e cuidar do
objeto amado para que se tenha o mesmo em todos os amanhãs. O amor, portanto,
busca não somente a “posse” do objeto amado, mas a permanência e a
continuidade. E num é exatamente isso o que diz o poeta russo Maiakovski neste
seu curto e belo poema?:
“Teu corpo
eu
quero acariciar
como
um soldado
mutilado
pela guerra,
inútil,
sem
ninguém,
acaricia
sua única perna”.
O amor, neste momento para finalizar
o presente texto, é um sentimento que se expressa na forma de desejo, desejo
pelo outro. E neste movimento que nos conduz em relação a outro alguém, e mais
ainda que cimentiza as próprias relações humanas, ele tem fundamental função na
vida psíquica. Este sentimento (inicialmente
de ser amado, posteriormente amar), em sua dupla face, é a experiência que
constroe o Eu humano. E como meu olhar sobre o assunto é um olhar
impregnadamente clínico, remeto o leitor ao texto “Do Amor e da Dor: Representações
Sociais Sobre o Amor e o Sofrimento Psíquico” (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-166X2005000100009&script=sci_arttext).
Joaquim Cesário de Mello
Joaquim Cesário de Mello
3 comentários:
Por increça que parível... Agora entendi!!!
Do amor não é fácil se falar atualmente, onde tudo é muito líquido como diz Bauman. Em minha reflexão junto ao que Agostinho diz que o amor é desejo e desejo é falta mas o medo de perder esse desejo mantei o amor. Diante disso pergunto, em meio a uma geração que não pensa em futuro que busca o desejo do outro como consumo,Como classificaríamos o amor?
Como você mesma diz Kalina: AMOR LÍQUIDO, aliás o título do livro de Bauman que você cita.
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