“VELHA ROUPA COLORIDA”
Outro
dia já se anuncia. E como é comum, em dias que vou para a aula, acordo
ritualmente no mesmo horário. Abro o meu guarda-roupa e escolho, não por acaso,
vestir aquela tua camisa, velha, desbotada, já sem cor, que tu me deixastes como
única “Herança” e um dia eu a desejei herdar.Olho-me no espelho, visto-a... Dou
pequenos passos pelo meu quarto com esta “Velha Roupa Colorida” e percebo um
peso, um incômodo, um desconforto sem direção que se instalou em mim naquele
instante. E canto baixinho “O passado é uma roupa que não me serve mais!”.
Passado?
Sim!Em outro momento, nas minhas fantasias, desejei - sem saber que isto se
arrastaria pela minha vida -, usar esta camisa. Não a mesma, porém, com o mesmo
sentido que dei outrora para aquela outra mesma camisa colorida. E pensei... É
possível me vestir de ti? Como se eu pudesse me vestir desta (con)fusão dos
teus desejos com os meus?
Mais
uma olhada no espelho e mergulho na canção que ecoa repetida e inesgotavelmente
em meus ouvidos “o passado é uma roupa que não me serve mais”. É... A canção não
cessa e eu me olho no espelho mais uma vez, talvez, tentando não acreditar ou não
aceitar este presente tão Real que teima em se mostra falho através desta
camisa. Sinto-me sem graça usando a tua camisa, procuro o meu sorriso e só vejo
o teu, um sintoma? Quem sabe, ilusoriamente, vejo Outro sorriso que se
atualizou com outras velhas roupas coloridas? Procuro um substituto que,
supostamente, irá me autorizar usar esta tua camisa sem cor?
Pouco
importa! Hoje, já não consigo me identificar com esta camisa, nem vejo mais o colorido,
sem tom, daquela roupa que teimei em repetir usar ao longo do tempo – não as
tuas, porém, “confusionalmente”, as minha/tuas camisas. É... Usei, e repetir
com Outro o mesmo movimento sintomático que desvelava a inutilidade e a
invalidação do teu semblante seco e hesitante. Pensando bem, esta velha roupa
colorida já não cabe mais em mim. Tiro-a! Coloco-a dentro de um grande baú,
dentro deste imenso receptor de desejos apagados ao longo do tempo. Respiro...
Já não quero o teu desejo que não é o meu. Invento e crio o meu próprio desejo,
pois, “precisamos todos rejuvenescer” a partir de nossas próprias escolhas.
Como
a tua roupa, coloco-te, também, neste baú de eventos frustrantes. E canto,
desta vez em um tom mais alto e colorido, mais um trecho daquela canção
inesgotável “No presente a mente, o corpo é diferente... E o passado é uma roupa
que não me serve mais”. Porém, já não sei se a tua dúvida e hesitação, de
alguma maneira validaram a Falta que teimava em se mostrar a mim através
daquela camisa. A tua herança já não me serve mais, foi ficando mais curta ao
longo dos anos, como também as tuas palavras, que perderam força com o tempo. Nem
aquela camisa, nem aquele sorriso, nem aquele cheiro que inebriava as minhas
manhãs... Nada! Nada disso faz mais sentido.
E
eu que te procurei me olhando no espelho, com a tua camisa, com os teus
significantes, passo a validar apenas o que é meu. Não quero pagar pelos teus
erros. E a tua camisa? Não cabe mais em mim, na verdade, nunca coube. Eu, num
movimento sem tempo e sem cor, projetei meus desejos de vestir aquela camisa e
vê-la em Outro velho corpo. Deixo-a agora, deixo-te dentro do baú e sigo como
os meus, e apenas meus desejos. Sigo, paradoxalmente, sem ti, mas, com as
minhas/tuas “Novas Roupas Coloridas”. Lembro-me hoje da existência e
importância destes eventos, bem sei. Mas, não são mais meus! Olho-me no espelho
uma última vez antes de sair, com a minha camisa, também sem graça, sem cor, porém,
minha!
Caminho
solitário em direção ao mundo, inventando, criando novos significantes para velhas/novas
roupas coloridas. Não preciso das tuas velhas roupas coloridas. Posso caminhar
sem ti. Brado internamente o início da canção que não cessou de não se
inscrever, para te fazer ouvir silenciosamente, em algum lugar que não sei, o meu
momento de concluir: “você não sente e não vê, mas, eu não posso deixar de
dizer meu amigo... Que uma nova mudança em breve vai acontecer...”
29/05/2015
Gleidson Jackson
Nery
(estudante de Psicologia/FAFIRE)
Um comentário:
Parabéns pelo seu texto, uma reflexão fascinante sobre os conflitos humanos.
Muito sucesso.
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