quarta-feira, 10 de junho de 2015

ESPAÇO DO COLABORADOR


“VELHA ROUPA COLORIDA”


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Depois de mais uma sessão de análise, volto para casa e os pensamentos que emergiram naquele encontro permanecem ativos, vivos. Tento não me concentrar neles, impossível! No caminho de volta para casa, vejo o mar de Olinda, vejo o horizonte que resplandeceu a minha frente após eu me reconhecer como este ser faltante e limitado que sou. Não consigo me desvencilhar daquela sessão. Já em casa, sento-me, tomo um café, olho os livro na minha estante e adormeço...
Outro dia já se anuncia. E como é comum, em dias que vou para a aula, acordo ritualmente no mesmo horário. Abro o meu guarda-roupa e escolho, não por acaso, vestir aquela tua camisa, velha, desbotada, já sem cor, que tu me deixastes como única “Herança” e um dia eu a desejei herdar.Olho-me no espelho, visto-a... Dou pequenos passos pelo meu quarto com esta “Velha Roupa Colorida” e percebo um peso, um incômodo, um desconforto sem direção que se instalou em mim naquele instante. E canto baixinho “O passado é uma roupa que não me serve mais!”.
Resultado de imagem para desejo, psicanalisePassado? Sim!Em outro momento, nas minhas fantasias, desejei - sem saber que isto se arrastaria pela minha vida -, usar esta camisa. Não a mesma, porém, com o mesmo sentido que dei outrora para aquela outra mesma camisa colorida. E pensei... É possível me vestir de ti? Como se eu pudesse me vestir desta (con)fusão dos teus desejos com os meus?
Mais uma olhada no espelho e mergulho na canção que ecoa repetida e inesgotavelmente em meus ouvidos “o passado é uma roupa que não me serve mais”. É... A canção não cessa e eu me olho no espelho mais uma vez, talvez, tentando não acreditar ou não aceitar este presente tão Real que teima em se mostra falho através desta camisa. Sinto-me sem graça usando a tua camisa, procuro o meu sorriso e só vejo o teu, um sintoma? Quem sabe, ilusoriamente, vejo Outro sorriso que se atualizou com outras velhas roupas coloridas? Procuro um substituto que, supostamente, irá me autorizar usar esta tua camisa sem cor?
Resultado de imagem para roupavelha, varalPouco importa! Hoje, já não consigo me identificar com esta camisa, nem vejo mais o colorido, sem tom, daquela roupa que teimei em repetir usar ao longo do tempo – não as tuas, porém, “confusionalmente”, as minha/tuas camisas. É... Usei, e repetir com Outro o mesmo movimento sintomático que desvelava a inutilidade e a invalidação do teu semblante seco e hesitante. Pensando bem, esta velha roupa colorida já não cabe mais em mim. Tiro-a! Coloco-a dentro de um grande baú, dentro deste imenso receptor de desejos apagados ao longo do tempo. Respiro... Já não quero o teu desejo que não é o meu. Invento e crio o meu próprio desejo, pois, “precisamos todos rejuvenescer” a partir de nossas próprias escolhas.
Como a tua roupa, coloco-te, também, neste baú de eventos frustrantes. E canto, desta vez em um tom mais alto e colorido, mais um trecho daquela canção inesgotável “No presente a mente, o corpo é diferente... E o passado é uma roupa que não me serve mais”. Porém, já não sei se a tua dúvida e hesitação, de alguma maneira validaram a Falta que teimava em se mostrar a mim através daquela camisa. A tua herança já não me serve mais, foi ficando mais curta ao longo dos anos, como também as tuas palavras, que perderam força com o tempo. Nem aquela camisa, nem aquele sorriso, nem aquele cheiro que inebriava as minhas manhãs... Nada! Nada disso faz mais sentido.
Resultado de imagem para espelho, pintura, homemE eu que te procurei me olhando no espelho, com a tua camisa, com os teus significantes, passo a validar apenas o que é meu. Não quero pagar pelos teus erros. E a tua camisa? Não cabe mais em mim, na verdade, nunca coube. Eu, num movimento sem tempo e sem cor, projetei meus desejos de vestir aquela camisa e vê-la em Outro velho corpo. Deixo-a agora, deixo-te dentro do baú e sigo como os meus, e apenas meus desejos. Sigo, paradoxalmente, sem ti, mas, com as minhas/tuas “Novas Roupas Coloridas”. Lembro-me hoje da existência e importância destes eventos, bem sei. Mas, não são mais meus! Olho-me no espelho uma última vez antes de sair, com a minha camisa, também sem graça, sem cor, porém, minha!
Caminho solitário em direção ao mundo, inventando, criando novos significantes para velhas/novas roupas coloridas. Não preciso das tuas velhas roupas coloridas. Posso caminhar sem ti. Brado internamente o início da canção que não cessou de não se inscrever, para te fazer ouvir silenciosamente, em algum lugar que não sei, o meu momento de concluir: “você não sente e não vê, mas, eu não posso deixar de dizer meu amigo... Que uma nova mudança em breve vai acontecer...”

 29/05/2015
Gleidson Jackson Nery 
(estudante de Psicologia/FAFIRE) 

Um comentário:

maybe disse...

Parabéns pelo seu texto, uma reflexão fascinante sobre os conflitos humanos.
Muito sucesso.