domingo, 28 de junho de 2015

A peça que a vida nos prega




Li a autobiografia de Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, autor de literatura e de teatro do início do século XX e, essencialmente, humanista.  A definição da palavra humanismo é complexa pois destaca os aspectos positivos  e gregários do ser humano na sociedade. Sou cético, contudo, e acrescento e  reconheço como "humanos" os atos de crueldade, de extermínio, de auto extermínio -  Zweig deixa a vida com um ato suicida. Afirmo isso sob o pequeno, mas evidente, argumento de que desconheço outro ser com características tão ambivalentes. Precisa-se construir leis ou pensamentos religiosos para montar a ética humana. A religião por  tempo, tentou conter os excessos do humano, mas muitas vezes, vazou nos excessos do próprio pensamento religioso. Lembro-me de um senhor sábio silencioso - talvez os melhores sábios sejam assim -, um médico pneumologista de um hospital que trabalhei, que falava, em tom anedótico, que "se Deus fez o homem a Sua imagem e semelhança, tenha desconfiança da índole do Criador", fazendo referência aos atos de maldade da humanidade. Nessa lógica Deus poderia carregar, além da bondade, todas as mazelas dos tiranos e dos assassinos.

 Sou, como disse,  cético,  identificam-me pensadores como Nietzsche ou Montaigne -  observo ceticismo inclusive em  Freud. Mas em se tratando de Freud, há um sem número de controvérsias em consequência das várias formas de ler e entender o texto freudiano. Há várias leituras e releituras do freudismo, e interpretações as mais variadas. Essas leituras as vezes fazem com que texto freudiano eventualmente tome forma de escritura, de texto bíblico, com direitos a parábolas e acontecimentos míticos, quiçá milagres. Isso vai depender de como é lido, e principalmente, de "como se quis" ler texto - ainda sim, soma-se a isso influência do desejo do tradutor. Há um filósofo francês, penso que Guattari, que afirmou que toda leitura é uma desconstrução subjetiva do texto, toda leitura é uma releitura, e acrescento, que quanto mais subjetivo, ou "subjetivável" for o texto, maiores são as  chances dessas desconstruções produzirem monstruosidades - é sempre complicado saber o que é que  "o autor quis dizer", enfim. Pois vejo o texto freudiano com mais elementos céticos e nihilista que a maioria imagina, inclusive o próprio Zweig.

O texto de Zweig, muito bem escrito por sinal, é uma narrativa de um desencantado dos acontecimentos históricos da primeira metade do século XX.  Para aquele, ainda jovem, deslumbrado e otimista que viveu a geração da Belle Époque na Europa, essencialmente, em Viena - uma cidade que fervilhava progresso e erudição em todos os campos do conhecimento - caiu em desgraça quando viu o mundo azedar com duas guerras mundiais.  O texto é amargo e nostálgico, em que as palavras alegria, juventude, sabedoria evoluem para estupidez, crueldade, pequenez. A pergunta que se faz é: o mundo piorou depois da guerra? o século XIX  e início do XX eram mais felizes que os dias posteriores? - incluo aqui os dias de hoje. A vida piorou para todos?

Se costumamos comparar o presente com o passado, tendemos a valorizar ao passado como depositário de felicidade. No passado está a infância e a juventude e com elas,  a saúde,  no passado temos a companhia eterna de nossos entes, e um sem número de ilusões de um mundo melhor. Assim pensa a maioria das pessoas. Mas o tempo passa, a saúde se derrete, as perdas ocorrem e, percebe-se, por fim, que o futuro - que já chegou -  de fato, assim com o passado, é uma ilusão. Todas as vidas são infelizes? felicidade é um evento complicado na vida humana, mas Zweig, na sua forma de ver o mundo, o viveu, com razão, como um grande infortúnio.

Sempre se pergunta ao cético ou ao nihilista por que ainda insistem em viver, que graça tem a vida?  O ceticismo não é uma escola de infelicidade, mas uma forma de ver a vida, sem expectativas e sem otimismo. A vida é para ser vivida no seu dia-a-dia, nas satisfações fortuitas e nas ilusões transitórias. Nunca deixarão de ocorrer injustiças, catástrofes, comoções e desumanidades.  Muito disso foi resultado de tentativas de dominar a história ou destino e fazer um mundo melhor. Uns procuraram a religião, outros a ciências e outros ainda, a arte. O teatro,  a a encenação de uma tragédia  seria pequena, mas importante, colaboração da  arte em mostrar as incertezas. O resultado da tragédia,  não são as boas realizações, ou os "finais felizes",  como se experiencia a compaixão e o temor - a catarse -, condições próprias do humano, vividas pelos heróis da peça  - que é  parte de nós. Se fizermos uma alegoria  como se a vida se fosse um teatro dentro do outro, e que escrevêssemos a peça que ele mesmo desejou para a vida, o final feliz, como esperou Zweig e espera parte da humanidade, não chegará jamais e se chegar soará estranho, pois o texto da felicidade, não é da competência nem do estilo das pessoas.

Marcos Creder

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