Com uma certa regularidade se ouve a notícia de que algumas modalidades de expressão artística estariam com os dias contados. Fala-se disso do teatro, das artes plásticas, do livro em impressão de papel, do próprio cinema e, por fim, da música sob formato de disco. Os profetas tecnológicos que defendem essas ideias nihilistas, dizem que no futuro, não tão distante, a imagem de cinema, o texto literário ou os arquivos de músicas ideais, serão aqueles que couberem numa tela de smartphone. Usei a palavra nihilismo para essas profecias porque essas afirmações frente ao vazio do mundo que perde a dimensão material, em geral, geram angústia - e ainda, li uma matéria em que se dizia categoricamente que quem usa redes sociais e passa a maior parte do tempo se divertindo com smarthphone são mais infelizes do que os que não usam. Julguei até recentemente que a aferição da felicidade seria algo como dar-lhe alguma consistência, algo de material - a felicidade como uma coisa. Resta-nos saber , contudo, se as profecias que fazem da arte uma espécie de fantasma ou de uma “nanoarte”, são verdadeiras.
Guardo ceticismo em relação as previsões do futuro. Na verdade, sou cético com previsões fechadas ou detalhadas, pois acredito que existam variáveis que vão além do pragmatismo; as previsões tendem a dar uma visão racionalista a um ser, o ser humano, cujo racionalismo sempre andou à deriva. Posso citar alguns exemplos … Os arquivos de música começaram com o disco de vinil, que passou para o CD, que foi em pouco tempo comprimido em arquivos de mp3, que armazenou-se em pendrivers, que vinha recentemente sendo armazenado “em nuvens” e agora pode-se se encontra-los em … vinil - não para todos, mas para colecionadores e saudosistas, fato que demonstra que apesar da mudanças tecnológicas, haverá um seguimento que sempre admirará as velhas bolachas. Outro exemplo, cito a frase de Milllôr Fernandes: “o teatro está há dois mil anos em franca decadência” - Nelson Rodrigues ironizou de forma semelhante com Oduvaldo Viana Filho que haveria dito nos anos 1950, em matéria de jornal, que teatro estava no fim. Num passado não tão remoto costumava-se dizer que a televisão e o videocassete, e posteriormente o DVD, fechariam as portas dos cinemas. A televisão também seria responsável pela fim do texto escrito, do romance, do conto, dos ensaios. Hoje a tão mal falada televisão já começa a entrar no rol dos ameaçados - já existem aqueles que não assistem a programação de televisão, apenas aos arquivos em vídeos que podem ser vistos em monitores ou telinhas de aparelhos celulares.
Claro que muito dessas afirmações são verdadeiras e estão próximas de se tornarem fatos. Questiono, contudo, a ideia de extinção. Recentemente, assisti, por acaso, a um programa de auditório de televisão uma representação de teatro de sombras, arte milenar oriental - que teria tudo para ser extinta com a chegada das sofisticadas mídias de imagem - posso afirmar, sem medo de errar, que tão cedo essas expressões desaparecerão para sempre. Vez ou outra, quando algo está prestes a se extinguir , aparece algum segmento para destacá-lo e reerguê-lo.
Há peculiaridades em cada formato que só por intermédio de sua forma expressiva, pode-se percebê-la com mais plenitude. Como poderia, por exemplo, substituir a imagem da pintura “O Nascimento da Vênus” de Botticcelli por uma forma escrita? Ou fazer o oposto, transformar as palavras de Guimarães Rosa em imagens? Como posso transformar em palavras, ou em imagem, uma sonata de Beethoven? Como transformar em filme uma peça de Ionesco? como escrever um filme de Tarantino e ainda, sem trilha sonora?
No ano de 2013, foi lançado um filme do qual recomendo por três motivos: é uma adaptação de um conhecido texto literário para o teatro e, como disse, assistida no cinema. trata-se do filme "Anna Karênina" baseado no romance de Tolstói. O filme tem um formato impressionante, um texto formidável com forte expressão teatral, somando-se ainda a isso tudo, uma boa trilha. E foi assistindo a esse filme que supus que as “invenções” das artes são aquisições que dificilmente desaparecerão por completo. Na arte não se pode ser tão pragmáticos como no mundo tecnológico ou parte do mundo científico.
Marcos Creder
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