Seja o que for felicidade, ela é um estado de
espírito formado de várias emoções e sentimentos positivos, muitas vezes
propiciados por um sonho realizado, por uma conquista alcançada ou por um
desejo consumado. Freud já dizia que todo ser humano é movido pela busca da
felicidade. Mas também, afirmava ele, está busca seria uma busca utópica, visto
que a felicidade plena não faz parte do mundo real, mundo este onde o indivíduo
vive experiências de triunfos e fracassos, alegrias e tristezas, realizações e
frustrações. O máximo que ele pode conseguir é uma felicidade parcial, uma
felicidade mais ou menos.
Há um antigo provérbio chinês que diz: “Os nossos desejos são como crianças pequenas: quanto mais lhes cedemos, mais exigentes se tornam”. Por outro lado já escrevia Goethe que o “homem deseja tantas coisas, e no entanto precisa de tão pouco”. O que, portanto, necessita o ser humano para ser feliz? A felicidade, existindo ela, tem um preço? Qual o preço da felicidade?
Se felicidade está de alguma forma relacionada com sonhos e desejos, ninguém humanamente falando realizará todos seus sonhos e desejos. Pode até ser que no fundo de nossas almas ou psiques exista o anseio de alcançarmos a felicidade sem esforço ou dor. Talvez. Mas isso seria a felicidade plena e narcisista. Na realidade muitos dos nossos mais autênticos desejos podem e são alcançados, todavia com renúncia e trabalho. Não basta apenas deitar em uma rede e sonhar. Não vai cair do céu, e de graça. Há coisas, por exemplo, que construímos e fazemos ao longo do tempo que nem sempre nos dá satisfação, mas nos propicia a sensação de segurança. Não é fácil abrir mão de segurança, mesmo que nela exista a impressão de vazio ou de que falta algo, para se arriscar a buscar fora o que pode nos fazer felizes. O lado de fora do nosso “mundinho” é imenso e desconhecido, quase no exato tamanho dos nossos medos.
E assim há os que preferem
a segurança de seus vazios e a estabilidade medíocre e certa de suas vidas do
que a aventura de se lançar para fora do amparo de suas cercanias em busca de
algo que se lá existe lá não se chega sem alguma dor (“não existe felicidade sem dor”, escreveu o filósofo e Nobel de
Literatura Albert Camus). Com outras palavras e por outras vias assim também
descreve a escritora Clarice Lispector:
“Então
isso era a felicidade. E por assim dizer sem motivo. De inicio se sentiu vazia.
Depois os olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o
amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente,
aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz
estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um
grande silêncio? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar
um pouco e me assusta? Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah,
milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais
nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz, e preferem a mediocridade".
Sim, sei e sei na própria pele o quanto é
difícil renunciar a vida que se tem para se se tentar viver mais feliz. O abdicar
em prol da nossa própria felicidade não é tarefa ou atitude fácil. Operar a
favor da autoestima dizendo alguns nãos ao mundo, as convenções e as pessoas é
difícil e não é sinônimo de egoísmo (em termos ou pejorativos ou narcisistas),
porém sintoma positivo de amor próprio e autoconfiança e assertividade. É saudável
quando podemos mudar de emprego ou carreira profissional nos quais não nos
sentimos bem ou autorealizados.
Embora seja difícil abandonar os medos e
avançar em frente é possível, desde que de antemão saibamos que o que almejamos
de verdade - além dos desertificados espaços de segurança que o mundinho
cotidiano nos dá em sensação, como em sensação também nos dá o vazio – não se
consegue de um dia pro outro. Há tantos pensamentos e paradigmas apenas
rotulantes e empobrecedores, relacionamentos afetivos esvaziados ou rotinas
fúteis e inférteis São tantas as convenções que nos ditam como fazer, sentir,
pensar, que chegamos ao ponto de não sabermos mais fazer, sentir e pensar
direito.
Gosto de dizer que a alma humana não tem peso. Quem pesa é o corpo.
Porém nos sentimos muitas vezes pesados ou leves. O que faz que a alma esteja
pesada ou leve não são os quilos, mas as autocobranças severas. Quanto mais nos
autocobramos severamente mais nos sentimos pesados. Quanto menos somos severos
conosco mesmo mais nos sentimos leve. Não é questão de quantidade, portanto,
mas de coragem e relaxamento.
O
escritor e jornalista Arthur da Távola falava que “só quem está disposto a perder tem o direito de ganhar. Só o maduro é
capaz da renúncia. E só quem renuncia aceita provar o gosto da verdade, seja
ela qual for. O que está sempre por trás dos nossos dramas, desencontros e
trambolhões existenciais é a representação simbólica ou alegórica do impulso do
ser humano para o amadurecimento. A forma de amadurecer é viver. Viver é seguir
impulsos até perceber, sentir, saber ou intuir a tendência de equilíbrio que
está na raiz deles (impulsos). A pessoa é impelida para a aventura ou
peripécia, como forma de se machucar para aprender, de cair para saber
levantar-se e aprender a andar. É um determinismo biológico: para amadurecer há
que viver (sofrer) as machucadelas da aventura e da peripécia existencial... Renunciar
à onipotência e às hipóteses de felicidade completa, plenitude etc é tudo o que
se aprende na vida, mas até se descobrir que a vida se constrói aos poucos,
sobre os erros, sobre as renúncias, trocando o sonho e as ilusões pela
construção do possível e do necessário, o ser humano muito erra e se embaraça,
esbarra, agride, é agredido. Eis a felicidade possível: compreender que
construir a vida é renunciar a pedaços da felicidade para não renunciar ao
sonho da felicidade” (grifos nossos).
Eis um ponto nodal nas questões e temáticas
aqui levantadas: “renunciar a pedaços da felicidade para não renunciar ao
sonho da felicidade”. A felicidade
possível. Sem a onipotência ou a idealização da felicidade plena e completa.
Isto, pois, abre espaço para um outro post a se refletir sobre o sofrimento
humano advindo de não corresponder a uma ideia narcisista de felicidade, ou até
mesmo de não corresponder a uma ideologia de um sistema social de base
consumista do que vem a ser um “homem feliz”. Em outras palavras: a infelicidade
de não ser feliz. Feliz, leia-se, como nos dizem o que é ser feliz.
Joaquim Cesário de Mello
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