PORTUGUESA |
A
poesia portuguesa não é só feita de Fernando Pessoa e Camões. Há também Cesário
Verde, Antero de Quintal, Florbela Espanca, Mário de Sá-Carneiro, Miguel Torga
e tantos outros. Tem parte de suas raízes fincadas na formação do espírito nacionalista
e no lirismo provençal. Em seu enorme leque poético encontramos ecos
melancólicos, saudosistas, religiosos, filosóficos e metafísicos. Do mais puro
lirismo ao exotismo, da simplicidade à sensualidade, do rigor formal à
expressividade livre, da elegia ao pessimismo, do simbolismo e do romantismo ao
realismo poético, de ponta a ponta, a poesia portuguesa é um dos mais
importantes acervos da sensibilidade humana em relação ao espanto frente à
vida. É uma poesia ampla, vária e complexa, que não se acanha de fazer tanto
uso do tradicionalismo quanto de expor seus conflitos existenciais. A riqueza
da poesia portuguesa de Portugal é incontável, razão pela qual expomos abaixo
alguns nomes representativos da contemporaneidade de nossos patrícios. Permitam-se, pois, se deixarem tocar pelo intocável, e se puder aproveitem o acariciar suave e profundo das palavras e imagens no inexprimível interior de nossas almas.
se põem a ladrar. Depois, o primeiro
cão cala-se. Pouco a pouco, os outros
também se calam, até que o silêncio
se instala, como antes de o primeiro
cão ter ladrado. De noite, não
é possível saber por que é que um cão ladra,
se o não estamos a ver. Talvez porque
alguém tenha passado por trás de um
muro; talvez por causa de um gato (essas
sombras que se esgueiram pelas portas).
Não é preciso encontrar razões concretas
para justificar a noite de todos os
cães: mas é verdade que um cão, quando
ladra, e acorda os outros cães, acorda
a própria noite, os seus fantasmas, o que
não se pode ver, isto é, o centro da
noite, o negro motor do mundo.
Nuno Júdice
SEU A SEU DONO
A pele espera nas coisas
a carícia do uso
como o cão anseia pelo dono.
O bordo do copo, os dentes do garfo.
Usurpar os lábios entreabertos
com a alma útil e desinteressada.
Um gole de. Faz-se tarde.
O vinho faz esquecer a pele do copo.
Porque tocar (pensa ela)
é uma confidência nocturna.
Lá fora as flores. As sebes.
O ressumar de amantes no cálice.
Toco-te com mãos alheias:
eis toda a confidência de que sou capaz.
Um vestido de seda a abrir na minha perna:
um osso para te fazer correr:
um ganido de amor à porta do prédio.
como o cão anseia pelo dono.
O bordo do copo, os dentes do garfo.
Usurpar os lábios entreabertos
com a alma útil e desinteressada.
Um gole de. Faz-se tarde.
O vinho faz esquecer a pele do copo.
Porque tocar (pensa ela)
é uma confidência nocturna.
Lá fora as flores. As sebes.
O ressumar de amantes no cálice.
Toco-te com mãos alheias:
eis toda a confidência de que sou capaz.
Um vestido de seda a abrir na minha perna:
um osso para te fazer correr:
um ganido de amor à porta do prédio.
Rosa Alice Branco
Para ser dia que se vive
mergulho as mãos em mim
e tiro os domingos que tive.
mergulho as mãos em mim
e tiro os domingos que tive.
Luís Veiga Leitão
HORA
Sinto que hoje novamente embarco
Para
as grandes aventuras,
Passam
no ar palavras obscuras
E o
meu desejo canta --- por isso marco
Nos
meus sentidos a imagem desta hora.
Sonoro
e profundo
Aquele
mundo
Que
eu sonhara e perdera
Espera
O
peso dos meus gestos.
E
dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas
dos círculos funestos
Das
mentiras alheias,
Finalmente
solitárias,
As
minhas mãos estão cheias
De
expectativa e de segredos
Como
os negros arvoredos
Que
baloiçam na noite murmurando.
Ao
longe por mim oiço chamando
A
voz das coisas que eu sei amar.
E de
novo caminho para o mar.
Sophia Breyner
CANÇÃO
Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Foi apenas mais um dia
que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.
Eugênio
de Andrade
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