Para este psicanalista austríaco (nascido em 1884 e morto em 1939) a angústia primal era resultado da separação de um ambiente (uterino) agradável para um novo e inicialmente hostil (ambiente extrauterino) mundo que se descortinaria a partir do parto. A separação física da mãe e as repentinas mudanças fisiológicas adaptativas frente a um novo ambiente geraria a "ansiedade primordial", nos dizeres de Otto Rank. O nascimento biológico, assim, analogamente seria uma espécie de expulsão da Paraíso. Rank é tão quase esquecido que o wikipédia, por exemplo, lhe dedica apenas magras quatro linhas.
Rank evidentemente não é o primeiro a destacar o papel da mãe para o desenvolvimento do ser humano, mas ao realçar a mãe como ponto de partida original tanto para o bem-estar (útero) quanto para a dor (nascimento) Rank se sobressai. Neste sentido sua proposta psicoterápica visa superar a fixação materna primária, sendo o psicoterapeuta uma espécie de parteiro especializado, com vistas a propiciar ao paciente o surgir na sua individualidade renovada. Expliquemos melhor.
Segundo Rank o neurótico é aquele que não conseguiu, ainda na infância, superar o trauma do nascimento. Se para ele a angústia primordial é a base para todas as ansiedades ou medos subsequentes, todo prazer, portanto, é sustentado no desejo do prazer em reeditar o bem-estar vivido no "paraíso perdido", ou seja, na situação intrauterina (recuperar o estado original). Dentro de tal perspectiva o tratamento psicoterápico é uma experiência de união e separação.
Rank acredita no ser humano como um artista que cria sua personalidade, sendo a pessoa neurótica aquele que falhou nesta tarefa criativa. O movimento do estado de união para o de separação é um ato de vontade. Ao escolher rumar para o desconhecido (crescimento) a pessoa confirma sua própria individualidade. Para Rank separar-se (desenvolver a personalidade) envolvia "medo da vida". Em sua concepção dialética a força propulsora é a vontade que é entendida como força criativa. Um indivíduo preso em sua neurose embora possuam vontade não consegue reconhecer seu desejo. A terapia, então, tem como objetivo "destampar" os bloqueios para que o sujeito possa assumir a responsabilidade de sua própria vontade. Talvez tenha sido Rank o primeiro a dar importância e destaque ao aqui-agora da sessão terapêutica. Concentrar-se exageradamente no passado - propunha ele - era uma maneira de fugir do presente. Com isto criticava ele o abuso psicanalítico da interpretação da transferência.
O nascimento da individualidade como vontade autônoma passa pelo nascimento do indivíduo que é gerado pelo social até o novo nascimento que é sua obra criadora pessoal, Atualmente chamamos tal renascimento de florescimento. O sentimento de ego, portando, é para Rank o sendo da totalidade do sujeito e, enquanto não alcançado, este é somente um sujeito parcial em sua relação com a vida e o mundo. A emancipação é, pois, uma manifestação da vontade e uma libertação da dependência psíquica.
O nascimento é tomado como uma metáfora para todo processo de separação-individuação. Ao enfatizar mais a importância da mãe do que do pai, Rank promoveu um novo caminho dentro do pensamento freudiano. Rank, até mesmo antes de Rogers, propunha uma terapia relacional. Ele, à época, renova a proposta psicanalítica oferecendo uma técnica de abordagem ativa, conjuntamente com Ferenczi. Sua influência é clara e visível tanto entre Melanie Klein e os demais kleinianos, como em Winnicott e Bolby. Pode-se impor a ele também uma certa paternidade às psicoterapia breves, visto sua terapia ativa ser preconizada para tratamentos curtos (em relação à Psicanálise clássica) e limitados previamente no tempo. Seu centramento no presente igualmente nos evoca o posterior conceito de "foco terapêutico".
Pois é. O antes "filho favorito" de Freud nos primeiros anos do século XX, virou o "filho proscrito" da Psicanálise. Como disse certa vez o também médico e escritor espanhol Gregório Marañón, "ninguém mais morto do que o esquecido".
Joaquim Cesário de Melo
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