(Este texto foi originariamente publicado pela Revista Caravelle nr. 75, da Universidade de Toulouse, França, por ocasião de “la célébration officielle des 500 ans du Brésil”).
Esta cidade edificada de ruas com nomes e datas que não me dizem nada, arranha-céus, árvores, praças, postes e luzes não foi construída para mim: sou um estrangeiro em suas entranhas e sombras, transitando-a apenas como o minuto que perpassa a minha vida. Os rostos dessa gente não me significam coisa alguma, não me importa suas dores de dentes, amores e desamores, sequer sei dos seus vizinhos. Para eles sou transparente e não existo, unicamente habito esta cadeira neste momento, em um bar que nunca vim.
O que pensa a lua de mim aqui sentado sem amigos ou amantes? Como um surdo aguardo que me chamem o nome, este substantivo próprio tão doce e delicado que só se sente à falta dele no deserto das bocas áridas. Devo ter deixado minha história em um quarto de hotel e agora não sofro mais qualquer nostalgia. Esqueço-me de mim para lembrar das minhas ausências e dos meus prantos. Sobrevivo aos meus mortos e aos meus abandonos, só não quero morrer sem ver meus poemas publicados, pode ser que alguém algum dia me leia e me compreenda além do silêncio em que me sepultei. Minha cabeça lateja em um corpo amolecido de febre e gripe. Tusso secreções e esta imensa noite que carrego no peito.
Quisera-me ser um barco a navegar a imensidão infinita dos oceanos azuis. Minha alma é um mar agitado, perigoso, sem sol e sem sal, em busca de praias onde possa sossegar suas ondas e depositar espumas agonizantes. Quem penso que sou bóia em mim. Receio afogar-me sem história e sem nome, enquanto aqui o redor fervilha em música na urdidura das tramas pélvicas. O calor que me aquece e me esfria não é de febre nem de álcool, é do incêndio desta cidade alheia onde procuro o socorro de uma mão e não encontro. O que se estende até a mim é solidão.
Deixa-me ir agora querida prostituta, cujo nome é tão silencioso como o meu. Deixa-me ir, libertando-me do teu encanto misterioso de Medéia, pois almejo os movimentos e as surpresas das ruas. A inércia é a privação da vida e já me bastam tantas perdas enterradas em meu peito entupido. Que assim se escreva em minha lápide: “aqui repousa um homem só e aqueles que morreram antes dele”. Se falecer é desaparecer duas vezes, então desejo morrer depois da minha morte (serei amanhã um morto em alguém?). Tusso secreções, escarro a noite.
Tusso secreções e a noite inteira me acoberta de breus.
Joaquim Cesário de Mello
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