O livro em questão, mesmo escrito séculos atrás, tem um caráter fortemente atemporal. Assim vejamos quando nele se encontra escrito que "a um príncipe, portanto, não é necessário que de fato possua as sobreditas qualidades; é necessário, porém, e muito, que ele pareça possuí-las". A pertinência de tais palavras é bastante atual no uso excessivo e no maquiar do marketing político. É conhecido o provérbio que diz "a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta".
Um príncipe deve saber, de acordo com circunstância e cenário político, ser bom ou ser mau. Sempre que puder deve ser bom, porém, dependendo das necessitadades políticas do momento, deve ser capaz de fazer maldades. Ensina-nos Maquiavel que o mal deve ser feito de uma vez para ser com o tempo esquecido. Já o bem deve ser feito aos poucos para ser, assim, degustado lentamente e ser sempre lembrado.
Em uma rápida ida a um dicionário encontramos definição de política como "a arte de governar". Pessoalmente prefiro uma outra definição que diz que "política é a arte de ocupação de espaços". Sabemos, histórica e cientificamente, que não existe vácuo em política. Segundo Maquiavel, o que move a política é a luta constante e ininterrupta pelo poder. Atribui-se a Maquiavel a frase "os fins justificam os meios". Ele inexiste em O Príncipe, embora a essência de seu sentido sim. O que verdadeiramente escreve Maquiavel, por exemplo, é: "procure, pois, um príncipe vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo" (vulgo significa povo/plebe).
Maquiavel, pioneiramente e melhor do que ninguém, arranca as máscaras, isto é, rompe com a ética cristã ao distinguir a questão da ética sob a dimensão do público e do privado. O público é a política e política é a arte da dissimulação por natureza. A ética, por sua vez, estaria na ordem do privado. Em sua visão aguda e visceral de política Maquiavel afasta-se da concepção clássica da Antiguidade e Idade Média e busca conhecer a dimensão simbólica, figurativa e aparente do mundo da política. Trata-se de uma teoria da simulação. Talvez por isso falemos de teatro político e chamemos seus personagens de atores político/sociais. Assim podemos entender o que ficou conhecido como "o escândalo das parabólicas" quando o então ministro da Fazenda no governo Itamar Franco (1994) em conversa informal com seu cunhado, o jornalista Monforte da Rede Globo, antes de entrar no ar com o Jornal da Globo, foi captado por um sinal privativo de satélite, sintonizável por meio de parabólicas, e disse "não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". Mais Maquiavel impossível. Já em 1968, quando da reunião para implantação do AI-5 pela ditadura militar da época, o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, o coronel Jarbas Passarinho, enunciou "às favas, senhor presidente, neste momento,todos os escrúpulos de consciência". Mais maquiavélico impossível. Pois é, "em terra de cego quem tem olho é rei".
Joaquim Cesário de Mello
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