A vida, sabemos, não é um mar de rosas. Guimarães Rosa, em seu livro Grande Sertão Veredas, através do personagem Riobaldo, já disse que "viver é muito perigoso". Viver, conviver, sobreviver, resistir, enfrentar, prosseguir, nada disto é tão fácil assim. Pra uns é menos difícil ou dificultoso, para outros é mais. Em meados dos anos 60 em um famoso programa televisivo á época, O Homem do Sapato Branco, o apresentador Jacinto Júnior tornou célebre sua expressão "mundo cão" que significava, e ainda significa, a vida nua e crua dos problemas do povo.
Sem romantismos ou condescendências, realista como real pode ser a vida, Run faz-nos olhar para o lado que não costumamos ou queremos olhar. Histórias rasgadas, fragmentos de quem já começou mal atrás e que se dirige para um futuro ainda menos promissor. Cortes existenciais de vidas de quem há muito sequer sabe o que é mais do que sobreviver. Sobreviver a todo custo, sabe-se lá pra que.
Os dramas contados não necessitam serem dramatizados (aí estaríamos no âmbito do melodrama), eles já são por si mesmos dramas. Dramas que nos são esfregados na cara durante cerca de 45 minutos (duração de cada capítulo) que assistimos com passiva indignidade, quase horrorizados, como quem olha a margem ao lado pela janela de um trem passante.
Não se vive à margem social porque se quer. Muitas vezes nascimento é destino, destino trágico para aqueles que, nas palavras de Bauman são "pessoas desperdiçadas", "sobras do mercado de trabalho", "refugo da economia". São gente que desde cedo, e desde antes até de nascerem (filhos das sobras sociais anteriormente existentes), parecem predestinadas a transitarem na beira da sociedade de consumo e de ganharem seu sustento com os resíduos do sistema econômico. Bauman também as chama de "população excedente", vítimas do projeto de construção da ordem e do desenvolvimento sócio-econômico. Em seu livro Vidas Desperdiçadas, Bauman afirma que tais pessoas são "baixas colaterais, não intencionais e não planejadas, do progresso econômico". Como verdadeiros "coletores de lixo" vivem em um espaço ínfimo e lateral da sociedade, expulsos do paraíso consumista e sem, com raríssimas exceções, nenhum perspectiva de melhora ou saída.
Não precisamos, é claro, de uma televisão e de seus filmes e séries para enxergar o lado oposto dos outdoors, afinal ao redor de todo shopping center (ao menos aqui em Recife) há uma comunidade carente cujas histórias individuais, familiares e coletivas bem dariam para serem roteirizadas aos moldes dos quatros capítulos que compõem Run. Não são histórias edificantes nem de finais felizes. São histórias, várias e incontáveis, que provavelmente se desenrolam no outro lado da rua, depois que dobrar a esquina.
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário