Todo
ser humano mede o tempo do mesmo modo? Tendemos a responder
afirmativamente, pois se seguirmos os calendários, muitos deles se
parecem na contagem dos anos, dos dias, das horas, mas há exceções. Nem
sempre se segue os mesmos parâmetros cronológicos. Descobriu-se não faz
muito tempo que a pequena tribo Amodawa no Norte do Brasil que a noção
de tempo era por demais escassa, lá não se conhece os dias da semana, a
idade das pessoas, os anos e as horas ou qualquer parâmetro que meça o
tempo categoricamente, a contagem dos números somam até quatro e a
forma de ver o envelhecimento tem como referencial o semblante, ou seja,
se dá pela mudança do aspecto que vai mudando gradualmente o nome do
sujeito. complexo? confuso? Talvez sejamos para eles muito mais confusos
porque, apesar de termos parâmetros sofisticados, em nós, parte desse
tempo “atemporal”, tempo que não se conta, insiste em presentificar em
nossa existência.
O psiquismo humano inconsciente tem uma ideia de tempo
muito escassa, muitos acontecimento aparentemente amortecidos pelo
esquecimento vem à tona como se tivessem acontecido há pouco, como se
tivesse em concomitância com os fatos presentes. As vezes num sonho ou
num pequeno insight
revificamos ocorridos que jamais pensaríamos que seriam, por assim
dizer, ressuscitados em nosso pensamento. Num sonho, as vezes, nos
observamos criança e adulto, e a depender do seu roteiro, podemos fazer
diversas incursões anacrônicas no tempo, e no mesmo sonho podemos
começar adulto e terminar criança. Na vida acordada muitas vezes nos
deparamos e nos surpreendemos com as mesmas birras da criança que tinha
menos de dez anos que ainda existe em nós. Desse modo, o tempo é uma
especie de contrato que estabelecemos com o mundo social, um contrato
que como diz o poeta Ferreira Gullar nos deu a ideia de finitude de
velhice e de morte - para alguns, inclusive para o poeta, uma infeliz
invenção. Nesse mesmo contrato nos despedimos de nossa infância em que o
narcisismo nos fazia imortal, divino e eterno, mas paralelamente com
noções precárias de calendário, de dia, de semana, de ano. Muito
provavelmente, nesse hiato aflitivo, surgiu a religião.
Essa ideia de tempo desingessado do modelo de aferição ocidental, um tempo subjetivo, faz com que seja relativizado a depender do momento histórico da civilização. Por exemplo, os personagens bíblicos como Adão , Matusalém ou Noé teriam vivido quase mil anos. Seria isso um fato, ou havia uma aferição de tempo diferente da atual, ou ainda, seriam parte de um tempo mitológico que o tempo se distende de acordo com os feitos de seus heróis? a resposta talvez esteja num pequeno fragmento de texto escrito pelo cronista Rubem Braga que traz um pouco de sua visão de tempo na década de 1960.:
"Faço cinquenta anos. Não é divertido. Para falar com franqueza, eu preferia (e obscuramente sinto uma vontade de dizer: eu merecia) fazer quarenta anos. não tenho saudade dos trinta, quero dizer, não teria vontade de ser como eu era aos trinta anos - e muito menos aos vinte. Cinquenta anos. uma injustiça, sem dúvida alguma. Logo comigo, que tinha tanta vocação pra ser rapaz".
Interessante
é a ideia de velhice arraigada a idade de cinquenta anos, hoje cada vez
menos citada. Realmente , a população mundial vem aumentando
paulatinamente a expectativa de vida e além do mais, os aparatos
estéticos vem, concomitantemente, ganhando cada vez mais mercado na
tentativa de manter o sujeito na “eterna” juventude. Algumas
celebridades, por exemplo, não teria a aparência de hoje se não fosse
essa cosmética do seculo XX e XXI e atores como George CLooney, Brad
Pitt, Antônio bandeiras, Sandra Bullock, que já passam dos lamentáveis
cinquenta, os mesmos que se queixou Braga, se mostrariam bem mais
envelhecidos.
É
possível que de meio século para cá o parâmetro de tempo, embora siga
rigososamente o mesmo calendário, venha se modificando paulatinamente
dando ênfase a aparência dos sujeitos, fato que ironicamente faz repetir
o mote dos índios Amodawa. Ou seja, a aparência nos daria suporte a
essa falsa eternidade
Marcos Creder
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