Um
dos instrumentos mais importantes para o jovem estudante de psicologia e
de medicina, que estão estudando o sofrimento humano, é o conhecimento
de psicopatologia. Existem várias formas de se pensar a psicopatologia,
desde as formas mais descritivas, influenciada por psicopatologistas
da fenomenologia alemã, às mais compreensivas de influência da
psicanálise. A primeira, a Psicopatologia Geral, aprofundada por
teóricos bastantes influentes no meio psiquiátrico, como Kurt
Schneider e o filósofo Karl Jarspers privilegiaram a descrição
conceitual de várias alterações psíquicas, hoje um instrumento
importante para a avaliação clínica do paciente com transtorno psíquico -
como se sabe, em psiquiatria, não se tem ainda algo que mensure as
alterações psíquicas - um exame, uma ‘dosagem” qualquer -, enfim, o
único instrumento que temos para o diagnóstico é a nossa percepção (o
ouvir e o olhar) descrevendo o fenômeno sob a forma de conceitos. Já as
formas mais compreensivas tentam, por assim dizer, interpretar esse
fenômeno. Para os psicopatologistas gerais, por exemplo, a alucinação
tem conceito que envolve, nitidez, crença e falsa percepção, entre
outras coisas, e o seu conceito se desdobra minuciosamente em várias
subformas e especificidades. uma pergunta não rara: “Que importância tem
isso?” ao contrário do que se pode imaginar, essas minúcias, muitas
vezes, fazem diferenças importantes entre os transtornos psíquicos, e
podem levar a caminhos completamente diverso. Já para os
psicopatologistas de influência da psicanálise, o que é mais relevante, é
saber qual o sentido da imagem percebida - a imagem alucinatória. essa
forma de entendimento também é de extrema relevância.
Desde que entrei no saber da psiquiatria que percebi que esses dois
territórios, psicopatologia geral e psicanalítica, dificilmente
dialogavam. Com raras exceções, ou se era de um lado ou se pensava de
outra maneira. Na verdade, não havia apenas a falta de diálogo, mas um litígio
entre os saberes, algo que chegava ao sectarismo, como se esses saberes
divergentes fossem crenças a serem defendidas com o respaldo apenas do
desejo de defender. Sempre pensei de modo diferente: essas duas formas
de entendimento apesar de aparentemente excludentes, são na verdade
colaborativas. O que cria uma tensão, muitas vezes, é a forma que esse
saber foi construído. A psicopatologia de Jaspers, por exemplo, vem da
experiência de observação de graves pacientes hospitalizados, enquanto a psicopatologia freudiana, deu-se, pelo menos de início, em
casos de neuroses menos graves, e por essa razão, estava mais perto do mundo da
normalidade - parafraseando o próprio Freud, era uma “psicopatologia
da vida cotidiana”, que tentava compreender o fenômeno num continum
normalidade/anormalidade. A Psicopatologia
Geral é um saber quase direcionado para o profissional médico, enquanto a
psicopatologia psicanalítica era mais voltada para a área de humanas.
Há
cerca de uma década que se tentou criar uma interlocução, entre essas
psicopatologias, denominada de campo da Psicopatologia Fundamental,
com proposta de aproximação dos diferentes modos de pensar o
sofrimento psíquico. A expressão Psicopatologia Fundamental foi uma
expressão cunhada pelo psicanalista francês Pierre Fèdida e, talvez, por
ter vindo de um psicanalista, provavelmente, muito provavelmente, foi
um dos motivos que fizeram esse campo ser desconsiderado pelos
psicopatologistas psiquiatras.
Um
fato que agrava ainda mais essa situação é que, acrescenta-se a esse
conflito que expus acima, um terceiro complicador que julgo ser de
imensa gravidade. Há uma tendência de parte dos jovens iniciantes em desconsiderar tanto um saber quanto o outro, e se apropriar de
instrumentos mais simplificados como os manuais de diagnósticos e
escalas de avaliação. Esses instrumentos que vem sendo popularizado no
meio “psi”, foram idealizado para facilitar o diagnóstico em psiquiatria
e dar um formato mais objetivo ao sintoma psiquiátrico. Na verdade,
foram concebidos para instrumentalizar pesquisas e padronizar
diagnóstico, mas nunca se propuseram a substituir o ensino da
psicopatologia. No entanto, o que vem cada vez mais se observando são
novos profissionais que desconhecem as Escolas descritivas e/ou compreensivas, e partem para um critério avaliativo superficial, com tentativas vagas e infrutíferas de mensurar e de objetivar o fenômeno psíquico. O
resultado disso: o alargamento do já distante universo da subjetivação -
um fato que já se observa, em parte, de outras áreas da medicina.
Hoje
se vê, guardando as devidas proporções, poucas publicações em
psicopatologia, eventualmente se encontra aqui e ali, um ou outro texto
resumido, ou esquemáticos. Mas no meio dessa aridez, na contramão dessa tendência tive a boa
surpresa de ler um livro que será lançado no sábado, dia 31 de Maio, na
FAFIRE. No livro “Temas de Psicopatologia” do psiquiatra Ivo
Rosas, pode-se observar um resgate à leitura de uma
psicopatologia como era descrita pelos clássicos e, acrescenta-se ainda,
graças a longa experiência de docência do autor, uma explanação minuciosa com
vários relatos de vários casos ilustrativos. Esses casos, muitos
inclusive, personagens da literatura ou do cinema, fazem da leitura do livro ainda mais
agradável e prazerosa - fato raro em textos de psicopatologia. Esse destaque dado ao cinema e a ficção é de extrema relevância, uma vez que observamos cada vez mais produções que envolvem algum tema do sofrimento psíquico. O livro não se propõe a ser um manual de psicopatologia geral, pois trata apenas de alguns temas dessa área do conhecimento, e esse fato, fez com que os conceitos de funções e alterações psíquicas fossem mais aprofundado mais bem descrita e incansavelmente ilustrativo. apesar de, como diz o autor ,ser um apanhado de vários autores e conceitos já consagrados da psicopatologia, o texto não perde a originalidade, pois a forma como escrita reconstrói a didática e aglutina saberes das funções psíquicas estudadas. Recomendo
Marcos Creder
Marcos Creder
Nenhum comentário:
Postar um comentário