A SÍNDROME DEPRESSIVA DO ESCORPIÃO
Não,
o literalmente não se tornou um blog sobre etologia, zoologia ou herpetologia.
O presente texto irá abordar a típica depressão que geralmente acomete muitos
dos nascidos sob o signo de escorpião. Segundo o zodíaco o signo de escorpião
abrange os nascidos no período entre 24/10 e 22/11, como o autor que vos
escreve. Todavia a “síndrome depressiva do escorpião” também alcança os sagitarianos,
que são aqueles nascidos entre 23/11 e 22/12. Expliquemos melhor.
Na verdade talvez não
tenha nada a ver diretamente com signos, mas sim com a subjetividade de algumas
pessoas independente de sua data de nascimento. Estou a falar dos estados
depressivos que acomete muita gente no período que antecede o final do ano,
inclusive o próprio. Quadros de depressão em final de novembro e no mês de
dezembro é bastante comum, comum até mais do que se pensa. Determinadas épocas
do ano e suas celebrações levam as pessoas a reagir de várias maneiras: com
euforia, com tristeza, com esperança, com recolhimento, com reflexão, com
alegria e até mesmo com silêncio. O Natal e o Ano Novo são datas que deixam um
número considerável de pessoas com humor deprimido. Trata-se de uma depressão
ocasional, localizada e passageira. Uma depressão de aniversário, isto é, um
momento depressivo com data marcada.
Natal e Ano Novo são datas
que inevitavelmente nos remetem à infância e ao passado. Ser adulto é ser
alguém que já passou por diversas perdas, separações, mortes e lutos
(concluídos ou não). E o Natal e Ano Novo, assim como os dias de aniversário,
são épocas de forte apelo reminiscente e regressivo. Como bem descreve é o
poeta português Fernando Pessoa em seu poema Aniversário quando diz: “no tempo em que festejavam o dia dos meus
anos,/eu era feliz e ninguém estava morto”. E há adultos mais vulneráveis
do que outros, mais saudosistas do que outros e mais melancólicos do que
outros. Para muitos adultos o final de ano evoca ou invoca um certo sentimento
de desamparo, desânimo, tristeza e nostalgia. Assim, o que é festivo para
alguns pode ser inquietante para outros.
Natal tem um forte
significado familiar, enquanto que Ano Novo de renovação de esperanças, balanço
e projetos de vida. É normal, pois que se fique susceptível aos apelos que esse
momento do ano provoca e é por demais reforçado pela mídia, principalmente pela
publicidade e seus interesses assumidamente comerciais. Em meio ao colorido
piscantes das luzes natalinas coabita um ar de silente clima deprê (Christmas Blues).
John Lennon certa vez cantou “so this is Christmas/and what have you
done?” (“então é natal/e o que é que você
tem feito?”). Fazer-se esta pergunta
pode ser desconcertante, pois nos coloca frente a frente com reflexões
existenciais poderosas sobre os nossos êxitos, nossos fracassos, insucessos,
frustrações, vitórias e derrotas, ganhos e perdas. O Ano Novo principalmente
parece nos impor cobranças. Na retrospectiva de nossas vidas até então
pregressas pode se ocultar feridas incuradas, sonhos inconsumados, lutos não
suficientemente elaborados, mágoas conservadas, bem como perdas e mudanças
ainda não aceitas. “Sentimento ilhado/morto,
amordaçado/volta a incomodar”. É meio caminho andado para a baixa
autoestima, menos valia pessoal, autocomiseração e desesperança. Neste sentido
tais festividades funcionam como gatilhos para depressões hibernantes.
Não tem coisas mais auto
enganosas que promessas de final de ano. Prometer a si mesmo que próximo ano
mudará e que nada mais será como antes é balela mental. Mudar – que já não é
uma coisa fácil, embora possível, mas processual – não tem data e hora marcada.
Não é abrindo champanha e pulando sete ondinhas à beira da praia, ou se
vestindo de branco ou contando até dez e no estourar pipocante dos fogos se
abraçar com a pessoa ao lado, que sua vida ou você vão mudar. Quer mudar, mas
mudar de verdade, ou ao menos quer começar a tentar, então comece agora ou
quando se sentir para tal. Não se espera por convenções e convencionalismos.
Mudar é por natureza anticonvencional. Mudar não é revolução, porém evolução;
uma árdua, contínua e oscilante evolução.
Pois é. E lá vem mais um
Natal e mais um Ano Novo. Parece que a grama do vizinho é sempre mais verde,
isto é, por que as pessoas se contagiam de tanta alegria e esta pessoa que é
você não? Tudo brilha, menos você. Os símbolos natalinos tem cheiro dos queijos
e passas infantis, os de hoje têm o desagradável sabor mofado e cheiro putrefato
do cadáver de Papai Noel. Decididamente você se sente um peixe fora d’água, um
estranho no ninho, uma pessoa que não foi convidada pra essa festa.
Inevitavelmente o Natal é
confrontativo. Tudo nele parece conspirar para que o sujeito mergulhe dentro de
si e se depare com uma gama de afetos que durante o resto do ano ficam ali
caladinhos e hibernantes na maioria das vezes. É como se todo aquele apelativo
brilho clareasse áreas antes escurecidas, e feridas profundas acordassem ao som
de jingle bells.
Quem olha de sua varanda a
casa dos outros parece se deparar com famílias felizes e bem resolvidas. E no
faz de conta natalino mercantil mais que nunca a frase de Tolstói foi tão
verdadeira: “todas as famílias felizes se
parecem”. E não somente as famílias alheias, mas igualmente a família do
passado infantil, que guardamos em nossa memória muitas vezes edulcoradas pela
olhar ingênuo e idealizante da criança que um dia já fomos e que nunca nos
livramos totalmente dela.
Sim, Natal e Ano Novo para
muitos não são dias fáceis, pois descortinam áreas em nossas vidas e
interioridades que estamos pendentes e/ou paralisados. E na extradimensionalidade
dos afetos e lembranças reprimidos a alma humana sofre hoje de inexistências e
finitudes. Pessoas assim têm hora agendada e dia marcado para deprimir e se
angustiar. Pessoas assim sente na pele e por debaixo dela o que afirmava Oscar
Wilde: “por detrás da alegria e riso pode
haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas, por detrás do sofrimento, há
sempre sofrimentos. Ao contrário do prazer, a dor não tem máscara”.
E todo ano é aquela mesma
coisa. Os dias vão passando, e novos natais e finais de ano vão se aproximando.
E vem aquele incurável sentimento de não-pertença a incomodar mais uma vez. E a
gente quer se enterrar e se esquecer, mas não pode e nem consegue. Não é de
fora que se esquiva e se foge, é de dentro. E de dentro só se foge quando os
gatilhos não são acionados.
A relação entre
psicopatologias da vida adulta e a infância é bastante estudada e muitos
trabalhos publicados identificam a associação, por exemplo, entre perdas
significativas na infância e depressão na vida adulta. Alguns autores,
inclusive, sugerem que as chamadas “reações de aniversários” constituem uma
espécie de subgrupo dos transtornos afetivos sazonais. É próprio da natureza
humana guardar na memória seus tempos infantis e juvenis. Alguns a conservam
com mais nitidez e intensidade do que outros. São lembranças do um período
muitas vezes colorido e adocicado que parece até transbordar de brincadeiras e
felicidades. Tempo em que, como diz Manoel Bandeira, a casa dos avós era
impregnada de eternidade. Naquela época nunca pensamos que a época um dia
acabasse.
Por isto que para muitos
(estima-se que algo próximo de 30% da população geral) sentimentos depressivos
começam dar seus primeiros sinais em meados de novembro e se estende até o
segundo ou terceiro dia de janeiro. Principalmente para quem, como os
escorpianos, fazem aniversário em novembro: são praticamente dois meses de repetidas
angústias e melancolias, afinal “no tempo
em que festejavam os dias dos meus anos/eu era feliz e ninguém estava morto”.
Decididamente meus pais deviam me ter feito taurino, aquariano, capricorniano, leonino... Feliz Natal e próspero Ano Novo.
Originariamente publicado em 02/12/2012
Decididamente meus pais deviam me ter feito taurino, aquariano, capricorniano, leonino... Feliz Natal e próspero Ano Novo.
Originariamente publicado em 02/12/2012
Joaquim Cesário de Melo
2 comentários:
É no final do ano que a gente consegue visualizar mais tantas famílias igualmente felizes! Me fez lembrar de Fernando Pessoa:"Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?" E a promessa da dieta na segunda feira. Muito bom o texto Joaquim!
Sinto dizer que talvez ser taurino não te escapasse disso tudo. Belo texto.
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