Tenho pensado em escrever sobre vários temas, mas Joaquim
Cesário, mais uma vez, no último domingo me desviou para outro assunto. Na
verdade, o artigo da “Síndrome Depressiva de Escorpião”, não me desviou, mas me
situou: estava em dezembro e não tinha me dado conta disso. Será que me
distanciei das convenções? Nem tanto. Há
pessoa que me dizem que se fosse possível não haveria dezembro no seu
calendário e, com essa subtração, excluiriam, obviamente, todas as festividades
de final de ano. Penso que fugir das convenções dessa época do ano, como
Joaquim sugeriu em seu ótimo texto, é uma boa saída, diminuiria o impacto dessa
depressão, mas não a extirparia
completamente. Seria impossível viver um dezembro sem chamá-lo de dezembro
ou sem ser capturado pelos seus atarefados dias.
Li o texto de
Joaquim e imaginei: se aqui o fim de ano é depressivo, imagine no hemisfério
norte, onde surgiu toda essa tradição de Natal? Imagine, leitor, dois invernos –
meteorológico e psíquico – se encontrando!
Interessante que apesar de vivermos num verão escaldante nessa época do
ano, sentimos, de alguma maneira, a sensação de um confinamento subjetivado.
Apesar de não ser do signo de escorpião, tampouco de sagitário, nasci em
setembro, posso observar esse impacto do final do ano com uma ambivalência própria
dos céticos em relação aos que chamam esses dias de “momento de confraternização
e reflexão”. Posso até acreditar que há um empenho das pessoas para que isso se
efetive para que cheguemos ao ano novo revigorado e renascidos, com uma agenda
plena de mensagens de transformações, mudanças, realizações. Ilusão? Sim certamente,
pois a felicidade para muitos tem tempo verbal próprio e imaginativo, está no futuro ou no
passado remoto e seu axiomas são: serei feliz, ou fui feliz – os céticos
amarram os dois tempos e falam, por assim dizer, no futuro do pretérito, e
ainda sim interrogando-se, “seria feliz?”.
Joaquim utilizou oportunamente da poesia “Aniversário”,
de Fernando Pessoa, e eu acrescentaria outra do mesmo autor, igualmente bela. “Adiamento” (que preferi transcrever na íntegra)
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não
digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Sim, o porvir...
Sim, leitor, esse poema traz, entre muitas interpretações, sentimentos
que beiram os planejamentos irrealizáveis da maioria das pessoas. Fazer um
balanço no final do ano desencadeia, muitas vezes, uma ambiguidade entre a
frustração – “que se fez, afinal?” – e o
esperançoso porvir –“ farei sim! ano que vem!”. Se observarmos com mais cautela esses "balanços" tendem a ser negativos, porque o passado imediato dos adultos são preenchido de
preocupações, limitações, perdas e desilusões. Por isso que costumo dizer que
as festas do final de ano, o Natal principalmente, são eventos próprios para a
satisfação das crianças pequenas –
inclusive, o seu sentido seria comemorar, religiosamente, o nascimento de uma
delas. Elas não reclamam... Parece que o encontro da
criança com o adulto, ainda mais tendo como pano de fundo as tensões familiares, dão um sabor mais amargos
a muitas “Festas”. Quando criança, as coisas são mais simples: há
luzes, magia, presentes e os mimos dos encontros com familiares, mas quando
adultos essa imagens são mais caprichosas.
(Originalmente publicado em DEZ/2012)
Marcos Creder
3 comentários:
Que história! kkkkk... Já não acredito em signos,a Bíblia é contra horoscopos. Não passam de enganações. E o que o senhor Dr. sugere deve está meio distorcido, quem já viu libriano nascer em dezembro! Além que desde quando se pode sugerir um gosto, preferência ou um aspecto pelo signo, isto é ilusão! O povo iludido, compra calcinha azul, verde, vermelha, em busca de "N" coisas! Usa roupa branca em busca de paz, e o mundo só vive em guerras! Pobre coitados. Você tenta fugir de dezembro das compras, comércios, midiático, dos jingles insuportáveis da televisão, do auê auê da Rede Globo, dos fogos e rojões, este é um dezembro infernal em meio a paz de Jesus. lembro-me de numa virada de ano que passei em Boa viagem (uma e a última) ter visto algo "mesquinho", caótico, as pessoas pareciam enlouquecidas, algumas gritavam é amanhã que vou mudar de vida, imagino que já havia tomado inúmeras latas de cerveja, e num instante eu olho, e vejo um rapaz de pijama na sala de estar do seu apartamento, com um copo na mão o controle da TV na outra, sozinho, vendo os fogos pela TV, em quanto na praia, bem adiante dele os fogos explodiam. Fiquei a pensar! Louco, surdo ou nem aí para o mundo a fora? Cristiane
E haja voluntários a postos nos diversos números do CVV tentando fazer companhia e levantar o astral de zilhões de pessoas. "Quando fevereiro chegar, saudade já não mata a gente..." Por mim também pularia o mês de dezembro!Hipocrisia de muitos que leva ao caos emocional de alguns.
É proposta bem decente até pra minha pessoa libriana aversa a esse tipo de dezembro muito nublado de blush alergênico.
Se bem que festa por festa, no carnaval presta mesmo aproveitar com sentido pelo qual alimentar a vida do espírito em vez de torná-lo enlatado... Mesmo que isso soe como frescura.
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