Muito se pergunta de onde vieram na atualidade tantas doenças ou transtornos psíquicos quando há pouco mais de um século os dedos das duas mãos eram suficientes para classificá-los. Uma outra pergunta também frequente indaga, nesse número de acometidos ou o rol dos transtornados, dos motivos que o conceito de normalidade vem se escasseando fazendo da saúde mental um ideal como se estivesse no horizonte do condição humana. Há alguns anos na revista Veja, nas páginas amarelas, o psiquiatra Valentin Gentil comentou que a normalidade era um evento incomum, apenas uma minoria teria esse privilégio.
Até pouco tempo atrás havia uma maciça hegemonia do saber psiquiátrico em favor das classificações psiquiátrica norte-americana, as ditas DSMs (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). A ideia que fez por algum tempo desse manual um consenso, baseou-se na necessidade dos psiquiatras terem o mesmo parâmetro diagnóstico em diversas regiões e países. Essa necessidade era pertinente, pois diferente de outras áreas médicas, havia na psiquiatria várias discrepâncias e formas disparatadas de ver o fenômeno psíquico. Um diagnóstico de esquizofrenia, por exemplo, no Reino Unido tinha estatísticas bem diferentes das dos Estados Unidos, e, esse fato, não se devia a maior incidência ou prevalência da doença, mas a um erro de instrumento de avaliação.
Com a vinda das diversas edições das DSMs, como uma tentativa de fazer a psiquiatria uma especialidade médica como outra qualquer, paulatinamente foi se observando vários problemas nesse instrumento que geraram diversas críticas: o falado crescente aumento no número de transtornos psíquicos, a falta de um aprofundamento conceitual, ou seja, a perda do rigor na avaliação do fenômeno. A desconsideração do avaliador como sujeito que pudesse interferir no resultado, foi destacado, partindo da ideia de que não existe neutralidade na relação terapeuta-paciente. O número crescente de nosologias, ou de diagnósticos, juntamente com a falta de rigor conceitual, fez com que a fronteira normal/patológico se fragilizasse, tendendo nessa balança de imprecisões a pender para lado do patológico. A nova edição da DSM (a DSM V) contemplou, por exemplo, um evento até então natural a condição humana como patológico. O luto. No início do século XX Freud escreveu um de seus textos mais importantes e paradigmáticos fazendo referência justamente aos estados do luto normal e luto patológico. No texto “Luto e Melancolia” Freud separou com precisão esses fenômenos que tem um denominador comum, a perda do objeto. Essa perda faz parte da contingência humana, por conta da finitude e da transitoriedade, e seria apenas patológico quando uma rede de sintomas voltados a autodestruição e ideias sobrevaloradas de culpa se sobressaíssem, formando os sintomas melancólicos - que hoje se assemelha ao diagnóstico psiquiátrico de depressão (endógena). Interessante que naquela ocasião Freud fez uma da melhores descrições desse evento psíquico, embora não tivesse nenhum compromisso com o aspecto descritivo, mas metapsicológico.
São os avanços da ciência e da tecnologia? Há algum tempo atrás, 30 ou 40 anos, um aparelho de televisão representava precariamente a realidade, pois chuviscava, além das imagens serem distorcidas e em preto-e-branco. Com o passar do tempo, os televisores avançaram e em função principalmente das cores, chegou-se bem mais perto da realidade. A agora já se assiste propagandas em que a imagem desses aparelhos são melhores que a própria realidade. Claro que isso é um embuste, do mesmo equívoco que parte da psiquiatria comete, ao criar uma espécie de cosmética da alma, onde ser normal já não é suficiente, necessita-se ser supernormal.
Não se sabe ao certo se por essas razões ou por outras - certamente deve ter um rol de impasses - que as instituições norteamericanos em saúde mental retiraram desde maio último o DSM V como instrumento oficial de avaliação psiquiátrica.
Marcos Creder
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