Estive recentemente num evento de psiquiatria e pude
constatar que uma parte da neurociência que se dirige aos aspectos biológicos
dos transtornos psiquiátricos e do comportamento vem trazendo algumas novidades
que nos estimula a repensar na causalidade dos sintomas psíquicos – uma velha
discussão. será do corpo? Será da alma? Do ambiente social? Como a discussão, no
evento, partiu dos aspectos genéticos dos transtornos mentais, vamos, então, tentar
seguir o mesmo raciocínio.
O Contador Antropomórfico - Salvador Dalí |
Voltemos às aulas de biologia da época do colégio: os
professores geralmente traziam duas teorias da evolução das espécies: a de
Charles Darwin e a de Lamarck. O primeiro dizia que a transmissão genética era
levada pela evolução do mais apto e que as mutações ocorriam ao acaso, sem a
interferência do ambiente. O segundo, muito mais criticado, era de que as
mutações ocorriam de acordo com as necessidades ambientais. Vejamos um exemplo
– grosseiro, contudo – de ordem psíquica: se temos um grupo pessoas deprimidas
e outro de não deprimidas, de acordo com
Darwin os não deprimidos estariam mais aptos e tenderiam a transmitir seu
material genético do que aqueles deprimidos, – e esses, caso tivessem filhos
levariam, necessariamente, a transmitir geneticamente seus gens aos seus
descendentes obedecendo as leis da genética mendeliana. Para Lamarck os
deprimidos ao deixarem sê-los, em razão de tratamentos, poderiam transmitir,
por assim dizer, a saúde. Essa hipótese parece ser mais absurda, mas é a que
vem tendo um sem número de publicações na atualidade. Trata-se da visão
epigenética. Essa visão apesar de não invalidar as leis de Darwin
acrescenta-lhes a possibilidade do genoma mudar de acordo com as necessidades
psicoambientais, ou seja, fenotípicas (já apelidado de “fenôma”). Estudos em
gêmeos demonstraram que, no nascimento, as informações genéticas são praticamente
idênticas e que, com o passar dos anos, começam a ocorrer pequenas mudanças na
cromatina entre eles. Que tem isso a ver
com a psicologia, psiquiatria, psicanálise? Os próprios estudiosos em
epigenética aplicada à psiquiatria constataram que os métodos psicoterápicos
mais diversos são capazes, assim como as intervenções químicas, de provocar
transformações no genoma e essas modificações serem transmissíveis as gerações
que se seguirem. “a psicoterapia
incrementa transformações de proteínas na cromatina (DNA e proteínas dos núcleos
celulares)”, afirmou um palestrante.
Essas novas teorizações da neurociência fazem da
psicoterapia uma intervenção biológica. assim como uma substância química, as
palavras implicariam em mudanças que levariam, por exemplo, a melhorar a
afinidade da medicação na sinapse cerebral. Falar de psicoterapia como intervenção
biológica parece contraditório, mas penso que contraditório mesmo seria falar
de biológico sem pensar em psicoterapia, uma vez que sendo a biologia o “estudo
da vida” (bios + logos) como podemos pensar no estudo do humano sem
utilizarmos da palavra ( que também em grego significa logos)?
Assistindo a essas apresentações da neurociência, tive um
pensamento de que muitas teorias científicas já teriam sido inventadas, por
assim dizer, por poetas, romancistas e livre pensadores que, assim como muitos “loucos”,
parecem pressentir a validação do impossível. Vejam o que Fernando Pessoa
disse no inicio do século XX :
Meu corpo é máquina de sonhar.
Todos os meus gestos, palavras e olhares
são extensões deste sonho.
E quando saio à rua, tal Bernardo Soares,
carrego neste corpo tristonho
uma alegria que não cabe.
Tudo o que toco
seja com os olhos, o ouvido ou o tato
passa a fazer parte do meu corpo.
O som o ar os postes
tomam lugar nas hostes
desta máquina de sonhar.
Meu corpo é máquina
e com ele sonho pelas ruas,
e se me pedem um trocado no sinal
posso dar ou não, dependendo do que sonho no momento.
(O sonho tem suas próprias leis,
está sempre em movimento)
E quando volto para casa
sonhando baixinho
ainda te encontro no meio do meu caminho
como se morássemos na mesma cidade.
Meu corpo é máquina de sonhar teu corpo
em alta velocidade.
Todos os meus gestos, palavras e olhares
são extensões deste sonho.
E quando saio à rua, tal Bernardo Soares,
carrego neste corpo tristonho
uma alegria que não cabe.
Tudo o que toco
seja com os olhos, o ouvido ou o tato
passa a fazer parte do meu corpo.
O som o ar os postes
tomam lugar nas hostes
desta máquina de sonhar.
Meu corpo é máquina
e com ele sonho pelas ruas,
e se me pedem um trocado no sinal
posso dar ou não, dependendo do que sonho no momento.
(O sonho tem suas próprias leis,
está sempre em movimento)
E quando volto para casa
sonhando baixinho
ainda te encontro no meio do meu caminho
como se morássemos na mesma cidade.
Meu corpo é máquina de sonhar teu corpo
em alta velocidade.
(MEU CORPO É MÁQUINA – Livro do
Desassossego)
Originariamente publicado em 14/10/2012
Marcos
Creder
2 comentários:
Acho muito intrigante esse post e fico pensando o efeito que tais descobertas terão na vida cotidiana. Penso muito tbm na Eugenia que vem ganhando novas proporções com o avanço da genética e agora com essas informações. Enfim, quero ver as cenas dos próximos capítulos.
Só espero que os avanços das neurociências não façam sucumbir as noções de mistério e subjetividade que são inerentes ao humano e que se apresentam pela linguagem.
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