Falei não
faz muito tempo que as terminologias psiquiátricas invadiram o senso comum e se
tornaram palavras bastante “recitadas” no dia-a-dia. Falarei sobre efeitos semelhantes nas psicoterapias. Muitas pessoas vem as psicoterapias e análises
com teorias prontas sobre si mesmo. Alguns arriscam até a dar uma nomenclatura com suposições, por assim dizer, psicologizantes de seu sofrimento: “tenho complexo de Édipo mal resolvido, sou um
recalcado, tenho lá minhas neuroses e psicoses, o meu problema é meu superego”. Não tenho, e já deu para
perceber, muita apreço por jargões ou terminologias
técnicas excessivas, inclusive, aborrece-me sobremaneira, alguns discursos que se protegem com frases cujas palavras
se aglutinam e se tornam incompreensíveis, há “idiomas” psicológico-psicanalítico que
em sua maioria não querem dizer
nada, que faz lembrar da novela de Lima Barreto, “o Homem que Sabia Javanês”, que a custa de seu
saber erudito – ou seja, falar uma língua desconhecida, bizarra – o
personagem ganha notoriedade em todos os
salões cariocas do início do seculo XX. Conheço muitos que falam Javanês... Mas
isso não vem ao caso. O interessante é que o costume médico faz com que, muitas
vezes, necessitemos de nomes
estrambóticos para nos propiciar
algum conforto ou amparo técnico, mesmo que não tenhamos ideia alguma do que se
trata. O alento de dizer uma palavra estranha parece conferir saberes extraordinários aos ignorantes - tanto para o que fala quanto para o que ouve.
Em
contrapartida, quando Freud começou a construir os
primeiros pilares da psicanálise, preferiu, para nossa surpresa, um caminho mais
simples, sem pedantismos, fazendo do seu texto simples e de fácil compreensibilidade se comparados aos textos de muitos de seus seguidores. Muitos leitores de Freud eram filósofos,
escritores, músicos, poetas, não eram médicos ou psicólogos e, sequer quiseram fazer carreira profissional. Eram curiosos que se
interessaram por um bom texto e
pela revolução metapsicológica.
Mas eu falei
que muitos se protegem com jargões e, entre esses, não só se protegem os profissionais como também os clientes-pacientes. Saber os termos, o vocabulário da psicanálise, está, as vezes, mais a serviço do “não saber” do que do saber
propriamente dito. Confuso? Vejamos...
Aquele que diz que o seu
conflito reside no seu Complexo
de Édipo mencionaria seu impasse da seguinte forma, já na primeira sessão: “amo a minha mãe" e, confidencialmente,
“odeio o pai”. Com um hálito erudito conclui, “minha neurose é assim, sou neurótico de livro...”, conclui envaidecido. Suponho que se um sujeito desejasse a mãe,
inclusive sexualmente, e tivesse um desejo de aniquilar o pai como está bem claro no discurso do analisando, certamente estaria longe de ser neurótico, estaria mais próximo, bem mais
próximo, seguindo a mesma batuta classificatória de perverso. Mas como o dito é um
dito embusteiro, um dizer estético, um desenho de palavras, provavelmente, quem o pronunciou está longe
de efetivar o incesto ou de cometer o
parricídio. Na verdade, traz-se com esse
dizer, um saber estéril e racionalizado que tem pouco valor na psicanálise. O “já
sabido”, ou visível na consciência não interessa tanto quanto o que nos
interrroga ou o que desconhecemos completamente. Jacques Lacan, um desses teóricos
que, como citei no início, carrega um barroquismo no seu dizer – muitas vezes
incompreensíveis – tem um frase interessante: “em psicanálise, o paciente não sabe o que diz”. E,
acrescento, o sujeito que nos chega com um saber pronto, sabe menos ainda – e aqui
poderia se acrescentar o rol dos profissionais de saberes “densos”. Enfim, sabemos
pouco do que nos ocorre.
No mito
grego que inspirou Sófocles a construir
a peça Édipo Rei, observamos que a frase citada pelo cliente acima, volta a ser pronunciada no oráculo da Pitonisa – sacerdotisa do templo de Apolo – ao próprio Édipo: “matarás teu pai e se casarás
com tua mãe”. Ao ter conhecimento disso, Édipo foge daqueles que julgava serem
seus pais – não sabia que era filho adotivo – para que o oráculo não se
consumasse. No caminho para Tebas mata o
rei Laio e casa-se com Jocasta, sua esposa. Tebas, então, é invadida por uma
misteriosa praga, uma maldição, e mais uma vez o oráculo é
consultado. Tirésias, o profeta, paradoxalmente, visionário e cego, reafirma
que o oráculo, enfim , ocorrera: Édipo
havia casado com a mãe e assassinado seu pai.
Um tema
muitas vezes deixado de lado pelos os intérpretes da peça de Sófocles é
justamente essa relação que existe entre o saber racionalizado que esconde outro saber, o verdadeiro saber que está ali bem a nossa
frente e que nunca nos tínhamos dado conta ou que nunca nos foi permitido ter conhecimento. Desse modo, podemos também acrescentar que o
conflito de Édipo foi ter pensado saber, mas não se sabia o que dizia ou o que fazia.
Marcos
Creder
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