A MELANCOLIA DA FLOR BELA
Existem poetas que representam a voz
de sua geração. Existem poetas que foram moda, mas que ficaram tão descartáveis
e desusados como aquele velho aparelho de celular. Também existem poetas que
perpassam sua época e continuam gerações após gerações. É de um destes poetas
que estamos reservando espaço agora no LiteralMente. Ele, ou melhor, ela (pra
nós poeta é comum de dois gêneros, sem essa de poetiza), é Florbela Espanca,
poeta portuguesa nascida em 1894 e morta em 1930. Florbela e sua poesia são
mais do que um poeta e seus poemas; ambos se transformaram em mitos. Embora os
menos letrados desconheçam a poeta, é bem provável que de sua fonte já bebeu,
principalmente com uma das mais conhecidas músicas de Fagner, Fanatismo (1981)
- sim, Fagner já foi um artista não brega. Lembram? :“Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida/meus olhos andam cegos de te ver!/Não
és sequer razão de meu viver,/pois que tu és já toda a minha vida.”
Nascida
Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, Florbela viveu sua curta vida de
maneira inquieta e tumultuosa. Suas separações conjugais, as desilusões
amorosas, o aborto involuntário e a morte trágica de seu irmão minaram sua
saúde mental que fragilizada levou-a ao suicídio.
Sua
obra poética retrata bem seus sofrimentos, frustrações e conflitos internos. Em
seus textos destacam-se a dor, a solidão e a desilusão, aliados a uma rara capacidade
de ternura e um intenso anseio de felicidade plena. A passionalidade presente é
sua marca e assinatura e de seus padecimentos e pesares extravasa-se líricos respingos
de sensualidade. Poeta da paixão e dos excessos seus poemas são de uma
pessoalidade sedutora que coloca o leitor, apanhado pelo magnetismo de seus versos
e temas, como que cumplices emotivos de suas tristezas, amores e saudades.
Embora
Florbela tenha carnalmente vivido pouco mais do que três décadas, sua criação e
frutos se tornaram eternos.
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Horas rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…
Ouço as olaias rindo desgrenhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas…
Os meus lábios são brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…
Sou chama e neve branca misteriosa…
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
Quem?
Não
sei quem és. Já não te vejo bem...
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?
Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?...
- Não sei se tu, amor, assim me vês!...
Nossos olhos não são nossos, talvez...
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!...
És tudo e não és nada... És a desgraça...
És quem nem sequer vejo; és um que passa...
És sorriso de Deus que não mereço...
És aquele que é quase um outro eu...
És aquele que nem sequer conheço...
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