Na infância não escolhemos nossos
primeiros objetos amorosos, no sentido de que não escolhemos os pais que tivemos,
nem a família em que nascemos. É a partir da puberdade e da adolescência que
iniciamos dirigir nossos interesses afetivos-sexuais (libido) para fora do âmbito
familiar. Todavia é a infância que muito determina a maneira como iremos amar
exogamicamente.
Nosso
primeiro objeto que podemos chamar de amoroso é o objeto cuidador dos nossos
principiantes anos de vida, aqui denominado de MÃE. Começamos narcisistas e
vamos, passo a passo, percebendo o objeto (mãe) que nos gratifica. A este
dirigimos nossa energia psíquica (libido), passando de uma libido de Ego
(narcisismo primário) para uma libido de objeto – vide NARCISISMO: UMA
INTRODUÇÃO, Volume XIV (1914) das obras completas de Freud, pags. 83-119.
Antes, em 1905, Freud nos brindou com seu clássico texto TRÊS ENSAIOS SOBRE A SEXUALIDADE, onde, ao introduzir a noção de pulsão, estabeleceu uma clara distinção entre objeto e alvo sexual. Objeto = pessoa de onde provém a atração sexual; Alvo = ação impelida pela pulsão. Escreveu Freud (1914), “os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e proteção; isto é no primeiro caso sua mãe ou quem quer que a substitua”.
A nossa primeira escolha objetal
amorosa foi denominada por ele de “escolha objetal anaclítica”, isto é, uma
relação de apoio derivada das condições naturais de desamparo, fragilidade e
impotência do bebê em ele mesmo atender suas necessidades mais primárias. São
tempos mentais idealizantes que levamos pela vida afora, inclusive na vida
adulta.
Vê-se
aqui a defesa do presente texto em compreender os relacionamentos amorosos a
partir de uma ótica baseada nas raízes inconscientes originadas a partir de
nossas famílias de origem. Por este ângulo, ou viés compreensivo, nossas
escolhas amorosas adultas têm sempre um quê de infantil, ou seja, repetições de
alguns padrões adquiridos na meninice. Sentimentos e desejos infantis,
portanto, se misturam aos sentimentos e desejos adultos no momento da escolha
do objeto amoroso.
A
paixão – como já foi vista aulas atrás – é um sentimento forte carregado de
identificações e idealizações. Não é de todo incompreensível entender a paixão
como uma espécie de reedição da experiência ilusória primária de completude da
relação bebê-mãe. Busca-se com o outro atingir a perfeição.
Porém, nem toda escolha é paixão. Existe a escolha pelo amor, com mais maturidade, menos idealização, porém jamais isenta de qualquer resquício infantil. Mais uma vez reporto-me à Freud: "É absolutamente normal e inevitável que a criança faça dos pais o
objeto da primeira escolha amorosa. Porém a libido não permanece fixa nesse
primeiro objeto: posteriormente o tomará apenas como modelo, passando dele para
pessoas estranhas, na ocasião da escolha definitiva. Desprender dos pais a
criança torna-se portanto uma obrigação inelutável, sob pena de graves ameaças
para a função social do jovem."
Vem a adolescência e com ela o
desapegar infantil dos pais. A sexualização secundária e a transformação do
corpo infantil em um corpo adulto pronto à reprodução, é conjugada pela
primeiras grandes paixões juvenis. No progresso da maturação sexual a
transferência do amor aos pais para os pares extrafamiliares é uma das maiores
mudanças emocionais que sofre o ser humano. O desejo eclode agora fora do lar. Surge o enamoramento. Começamos a conquistar e sermos conquistados. Damos agora nossos primeiros passos na dança do acasalamento.
A necessidade que tínhamos de se
apegar da primeira infância permanece, pois, adultos ou não, continuamos
incompletos, frágeis e vulneráveis. Nosso psiquismo é regido pela raiz primária
da busca pelo retorno do momento “mágico” e seguro da mais significativa das
relações humanas: mãe-bebê.
A ilusão faz parte do psiquismo
humano e também se faz presente na escolha amorosa. Busca-se no outro complementariedade,
sendo esta uma das principais motivações na hora de escolhermos um cônjuge. A
complementariedade vem da crença ilusória de que o cônjuge deve ser alguém com
quem nos completamos. Pari passu com a complementariedade temos a similitude,
isto é, busca-se no parceiro características e qualidades semelhantes àquelas
que possuímos. Diz um dito popular que os
opostos se atraem, pode ser até verdade, porém apenas no início, pois o que
conserva uma relação são as semelhanças.
A
influência da transgeracionalidade não deve ser descartada, afinal muitos têm
os pais e o casamento destes como padrão de referência, tanto para ser seguido,
como para ser evitado. A partir da conjugalidade dos progenitores pessoas podem
criar um esquema mental de como se relacionar com o outro, seja nos afetos, nos
manejos adaptativos e no enfrentamento de conflitos. Sobre tais elementos
influenciantes na escolha de um cônjuge, sugere-se a leitura de EM BUSCA DA “CARA-METADE”:
MOTIVAÇÕES PARA A ESCOLHA DO CÔNJUGE que pode ser elencado em http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v27n3/10.pdf.
O objeto do nosso desejo
transcende a escolha puramente volitiva. São várias as variáveis que estão em
cena. Muitas são as motivações que nos impele a se aproximar de uma outra
pessoa como objeto do nosso desejo e amor. Desde a atração física, a identificação,
idealização, projeção, carências, faltas ou perdas. A eleição daquele como o
nosso objeto de amor passa pelos subterrâneos da alma humana. Há casais que,
por exemplo, se formam numa tentativa de os sujeitos envolvidos, ou um deles, solucionar conflitos intrapsíquicos, inclusive de origem infantil com as figuras
parentais. Seja como for, o encontro de duas pessoas é mais do que o encontro
entre dois indivíduos, é também o encontro entre duas subjetividade, duas
biografias, duas famílias. Neste encontro existe espaço psicológico tanto para
a repetição quanto para a renovação.
Que
lugar o outro ocupa em nossa mente? Que lugar o outro me designa? Não são
respostas fáceis nem rápidas. Mas aqui está a base da compreensão da
conjugalidade, conjugalidade esta que vai além das simples aparências.
Deixo
vocês agora, rumo ao tema conjugalidade: formação do casal, sem antes indicar mais uma leitura
afim: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cadpsi/v35n29/a10.pdf
Boas
leituras, estudos, questionamentos e reflexões...
Nenhum comentário:
Postar um comentário