domingo, 8 de outubro de 2017

A literatura de Auto-Literatura



Se você, prezado leitor, chegasse à livraria e na primeira estante, onde geralmente se expõem os best-sellers  - livros  de auto-ajuda, religiosos, motivacionais,  biografias, métodos de emagrecimento, fórmulas para ficar milionário ou para ser feliz, além dos crescentes livros publicados por youtubers  - encontrasse o volume: Guia de Escrita: Como conceber um texto com clareza, precisão e elegância, qual seria o seu julgamento? E ainda, quais  seriam suas impressões de um livro cuja a capa tem um layout sofrível,  parecendo-se com os antigos manuais de caligrafia? Seríamos, eu e você, preconceituosos ou indiferentes, especialmente, por ser um best-selller? Não costumo criticar os best-sellers pelo fato de serem populares, acredito que se os  livros foram escritos para serem lidos e precisam ser vendidos - e bem vendidos.  

A maioria dos "literatos" (assim mesmo, entre aspas), por inveja ou vaidade - seus pecados capitais proeminentes -, passa a régua e divide o mundo do best-seller e dois: de um lado da mediocridade cultural, da massificação editorial, e de outro do (seu) mundo da literatura culta, desse latifúndio povoado por escassos leitores - uma minoria privilegiada que, como diz Ledo Ivo, consegue passar da página quinze. Para estes autores, o livro comercial, ou a pulp fiction, é um texto menor, com apelos comerciais que corrompem a inteligência dos criadores.

Discordo. Existem bons livros bem vendidos e não são poucos. O Nome da Rosa de Umberto Eco, Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, A Idade da Razão de Sartre, O Estrangeiro de Camus, foram, em seu tempo, best-sellers. As vendas dos romances  de Simenon provocariam inveja nos livros de colorir.   Admito, contudo, que os bons autores estão desaparecendo das prateleiras, os literatos, na tentativa de se defender de fracassos editoriais, criaram  uma modalidade de literatura: o livro que chamarei de “auto-literatura”, livros para serem  lidos pelo próprio autor, seus familiares,  professores de literatura e, especialmente, para serem apreciados por outro escritor. Assim como a literatura de auto-ajuda, que é uma imbecilidade escrita para imbecis, nessa modalidade um erudito escreve para outro erudito - o que não deixa de ser também uma forma de imbecilidade.

Os aficionados na literatura de “auto-literatura” tratam com desdém o mercado editorial e respeitam apenas os autores best sellers já falecidos ( aliás, para os literatos, como na oratória de uma missa de corpo presente, "o melhor escritor acabou de morrer"). Escritores falecidos, como Cervantes, Machado de Assis, Garcia Márquez, Hemingway, rendem boas frases. O texto de “auto-literatura” tem diretrizes para se passarem por originais ou mais eruditos: fugir dos lugares comuns, das repetições, das redundâncias, das assonâncias, das prolixidades, dos períodos longos, das frases de efeito, dos verbos ser, estar, ficar, ter; e não esqueçamos, o texto deve ser paragrafado com harmonia. Autores classicos ja cometeram esses erros, mas felizmente, ja faleceram. Se esse o rigor técnico dos literatos fosse levado a serio na historia da literatura, diversos autores correriam risco de serem excluídos da "boa literatura" nas primeiras duas ou três páginas - mesmo ledo IVo recomendando quinze . Dostoiévski seria acusado de prolixo ou redundante; Proust, desaconselhado por seus períodos longos, longas digressões, e por por esquecer de paragrafar; Melville, por capítulos descritivos e enfadonhos; James Joyce, pela falta de clareza, Bukowski, pelos erros de pontuação e acentuação e por excessivas e ousadas repetições. Os literatos da "auto-literatura", aliás, não permitem a ousadia - como se fosse desnecessária à criação.

Enfim, dos vivos, um texto sem erros, enxuto - eventualmente, um texto sem texto. Assim como um psicanalista neófito, esses literatos economizam palavras para errar menos. O resultado? Vejamos... Quando positivo, uma boa crítica em página especializada de um texto insosso e um dezena de volumes vendidos.  Quando negativo, sobre-lhe a excomunhão.

  
Abri o livro Guia de Escrita, e tomado pelo espírito de um literato da auto-literatura, esbocei a face de um personagem de Tarantino, pronto para trucidá-lo ou esnobá-lo nas primeiras linhas. No entanto, ao virar-lhe as páginas, descobri, contrariado,  que não se tratava de um manual de redação, nem de um guia de boas maneiras da escrita, mas de um desabafo do autor, o psicólogo norte-americano Steven Pinker, que assim como eu ou você,  entediou-se dos textos pernóstica, pseudo-eruditos.

Pinker desmascara a mediocridade dos textos “difíceis”. Pinker é  sincero: escrever não é  fácil. Escrever fácil, ou seja com fluência, simplicidade e clareza, é dificílimo. Inspirado na psicolinguística, o autor admite que é mais cômodo redigir um texto com o rebuscamento de Lacan, do que escrever um texto palatável, em um ou dois parágrafos,  de uma teoria da física. A escrita clara, para Pinker, é um exercício de rara inteligência e põe em xeque um sem número de  textos pedantes, cerimoniosos, que, em seu cerne, encontram-se esvaziados de ideias e, o que é mais grave, de sentido.

O livro também traz várias situações e sentenças em que um texto ou uma frase poderia ter uma melhor redação. Pinker acrescenta importantes elementos da sintaxe na confecção de textos. Naturalmente, que a ênfase dada pelo autor é o livro de não ficção. Sabemos que a ficção tem mais liberdade e tem apelo estilístico - e são bons desde que autorizados pelos literatos desde.  

Marcos Creder

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