Há pessoas com depressão que não
respondem satisfatoriamente ao tratamento medicamentoso e psicoterápico. É
sabido que o enfrentamento da depressão deve ser realizado nas esferas
biológica, psicológica e social do paciente. O uso de determinadas substâncias
medicamentosos e a conduta psicoterápica a ser adotada deve ser
individualizada. Se cada caso é um caso, cada depressão é uma depressão.
O
primeiro passo, em qualquer abordagem, é engajar a pessoa deprimida a proposta
de tratamento, afinal o tratamento é sempre realizado com o paciente e não para
o paciente. A depressão que lemos nos livros, que é descrita do CID, que é
estudada nas salas de aula, é uma depressão abstrata, já a pessoa do deprimido
é uma realidade, uma depressão concreta e vívida, que pulsa no pulsas da vida
desta pessoa e que deve ser compreendida tanto a partir do contexto social e
cultural desta, como nas suas dimensões biológicas, biográficas e psicológicas.
Várias são as intervenções possíveis que pode fazer uso um psicoterapeuta, entre elas as psicoterapias de apoio, interpessoal, psicodinâmica, focal, comportamental, cognitiva-comportamental, de grupo, de família, etc. Fatores que contribuem fundamentalmente para a eficácia e o sucesso de toda e qualquer empreitada psicoterápica são: motivação, confiança, ambiente estável e capacidade para insight e mudança. Não basta tão somente embater a sintomatologia depressiva apresentada, mas igualmente mudar o estilo de vida, que eu particularmente chamo de “moldura de vida”.
Antidepressivos,
em média, alcançam bons resultados na melhora sintomática em cerca de 70% dos
casos, segundo pesquisas e estimativas várias, após um prazo mínimo de um mês.
Todavia, pacientes respondem a antidepressivos cada um a sua maneira. A
escolha, pelo médico, de qual medicação antidepressiva a ser usada se baseia no
tipo de depressão, na comorbidade, nos efeitos colaterais, na tolerância do
paciente à medicação, se há risco de suicídio, etc.
As
formas e os sintomas da depressão são variáveis de pessoa para pessoa. O mesmo,
então, se quanto ao tratamento, visto que um manejo que pode muito bem
funcionar com fulano pode não funcionar com sicrano. Os antidepressivos são
armas potentes no enfrentamento do inimigo depressão, pois ajudam a equilibrar
os níveis de substância químicas produzidas no cérebro e com isto controlar o
humor transtornado. Quando falamos de substâncias químicas cerebrais estamos
falando de serotonina, dopamina e norepinefrina. Os antidepressivos mais
comumente prescritos são os inibidores seletivos de receptação de serotonina
(fluoxetina e sertralina, por exemplo) e inibidores de receptação de serotonina
e norepinefrina (cloridrato de venlafaxina e duloxetina, por exemplo).
As
psicoterapias são também importantes no conjunto do tratamento da depressão. É necessário
e útil o paciente poder conversar sobre a depressão e as maneiras como lidar
com elas e seus sintomas. Uma abordagem psicoterápica auxilia ao paciente
formas de pensar e de se comportar diferentes, bem como de entender os possíveis
gatilhos em sua vida que provocam ou ajudam a manter a depressão. Um outro viés
que a psicoterapia trabalha são as relações interpessoais do paciente que
também podem estar contribuindo para a preservação do quadro mórbido.
Uma
depressão resistente é na maioria das vezes uma depressão crônica. Em uma
depressão crônica temos um doente crônico, ou melhor, uma pessoa que se
cronificou com a depressão. Explico melhor. Alguém que tem depressão não aguda,
que sofre com a depressão há anos, acaba formando hábitos, pensamentos e
comportamentos depressivos. Até sua rotina tem o clima depressivo. É como se
passasse a viver em uma cultura da depressão. A pessoa, o doente e a doença não
só se confundem, se fundem. Lembram aquela célebre frase proferida pelo rei da
França Luís XIV no auge do absolutismo europeu “lé ètat est moi”? Pois é, é como se a pessoa cronicamente deprimida
dissesse “a depressão sou eu”.
Quem
convive com a depressão há bastante tempo sofre de um vazio paralisante. E o
pior: muitas vezes acostuma-se com este vazio familiar. Congelado em um
presente vazio, não olha para frente (futuro), mas sim para baixo (presente) ou
para trás (passado). Sabe aquela expressão “a
esperança é a última que morre”? Pois é, o deprimido crônico se acha um
morto em vida, um espectro de si mesmo perambulante. Embora queira uma vida
normal, livre da depressão, a mesma está tão arraigada nele que não consegue os
mínimos passos para frente. Seguir lhe é pesaroso.
Andrew
Solomon, em seu livro O DEMÔNIO DO MEIO-DIA: UMA ANATOMIA DA DEPRESSÃO, ele mesmo
um deprimido de três recorrências, escreve que “a depressão é a imperfeição do amor”. Um indivíduo deprimido
encontra-se eclipsado em sua capacidade da dar e de receber afeto. Dói viver.
Dói viver porque a vida perdeu o sentido. Ou, como diz Solomon, “cada segundo da vida me feria”.
Em uma tipologia da depressão ela pode ser episódica, recorrente ou crônica. Seja como for, costumo descrevê-la como uma espécie de bicho que habita hibernante o ser humano. Quando, por alguma razão, o bicho acorda ele é voraz, guloso e insaciável. Precisa sempre de nutrientes para ficar vivo, e seus nutrientes é sugar a vida. O bicho depressão adora, por exemplo, escuro e cama. Depressão detesta sol. Ele nos manipula para que lhe demos seus alimentos favoritos. E é aqui que o bicho pega, ou seja, quando a pessoa, sob domínio da ditadura da depressão, atente suas demandas criando ao seu redor, em sua rotina e postura frente a vida e ao mundo, comportamentos e cacoetes depressivos. A habitude e suas práticas ficam a serviço da manutenção do status quo depressivo.
Isolamento social, álcool, comidas gordurosas, automedicação com ansiolíticos, sedentarismo, ambiente desorganizado, falta de higiene, entre outros comportamentos não somente contribuem para a manutenção da depressão, como podem agravá-la ainda mais. Como a depressão crônica é mais resistente aos tratamentos e os resultados não vêm no curto prazo, o paciente tende a abandonar o próprio tratamento – o que, por sua vez, eleva ainda mais a descrença de que não tem mais esperança ou saída. A aderência contínua ao tratamento é um grande desafio a ser vencido. O trabalho é de formiguinha e ao paciente deve ser mostrado isso, valorizando suas pequenas conquistas e avanços, por mais insignificantes que possam parecer.
É
um verdadeiro processo de aprendizagem ou reaprendizagem. É como se a pessoa do
paciente fosse desaprender padrões de pensamentos e comportamentos habituais e
nocivos que estão a serviço do bicho depressão. Uma pessoa cronificada em
depressão consequentemente tem déficits interpessoais. O psicoterapeuta deve
ter uma postura ativa e muitas vezes diretiva para fazer frente a passividade
típica da doença. A atenção de ser centrada na atualidade e não necessariamente
em experiências infantis, ao menos enquanto não se avançar na modificação de
alguns hábitos, tendências e inclinações depressivas. A ênfase recai, portanto,
nas alterações atitudinais e na melhora da qualidade de vida contemporânea. É necessário
que o paciente se veja cada vez mais no controle de sua vida.
Pessoas acostumadas à depressão são pessoas que tendem a desqualificar ou minimizar qualquer melhora. Qualquer mínima melhora, repito, deve ser sempre valorizada e maximizada pelo psicoterapeuta, embora em princípio isso contrarie a tendência típica auto-desqualificatória do deprimido resistente. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Com o tempo, espera-se, o paciente deve aprender a se auto monitorar o seu próprio paulatino progresso.
Lembremos sempre: uma depressão crônica não é uma depressão passageira. O paciente acostumou-se e se familiarizou com a depressão e seus sintomas. Ganhos secundários da doença não só foram desenvolvidos, mas também cristalizaram. Pessoas que se acomodaram em ruminar sua negatividade, embora a sua revelia. Um dos principais objetivos da psicoterapia não é esvaziar o paciente de sua subjetividade negativa, mas sim de ajudá-lo em transformá-la em positiva.
O
trabalho é árduo e lento. Sabemos de antemão disso. O paciente também deve ter
o direito de saber. Ele não se cronificou porque quis, nem foi de um dia pro
outro. Por isso os resultados não serão assim tão no curto prazo, ao menos os eficazes.
Os tratamentos da fala (psicoterapia) e os tratamentos medicamentos (farmacoterapia)
devem andar lado a lado e sem antagonismos. Como diz um entrevistado de Solomon
em seu acima citado livro O DEMÔNIO DO MEIO-DIA, “o prozac não deveria tornar o insight dispensável. Deveria torná-lo
possível”.
A
doença é resistente. Os profissionais de saúde devem ser persistentes. A
resistência é como uma casca de cebola: por baixo dela há outra resistência e
depois outra, e mais outra, e assim por diante. O trabalho é análogo a um
descascar cebolas, dadas às devidas proporções. Mas é passo em passo, de
centímetro em centímetro, que fazemos uma estrada, que andamos quilômetros.
Quem tem pressa, quem não tolera ser ele mesmo (terapeuta) paciente, no sentido
de ter paciência, então que procure outra praia. Mas se for a praia que vier
até você atenda-o sem pressa ou urgência de grandes resultados imediatos, e com
tolerância à ansiedade e à frustração. Afinal, seu Ego é uma referência a ser
internalizada pelo paciente. Se você não estiver ainda pronto para isso, então
o encaminhe a outro colega.
Joaquim Cesário de Mello
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