domingo, 30 de julho de 2017

ONDE ESTÓRIAS SÃO CRIATURAS SELVAGENS

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Sim, ainda sou um voraz leitor de livros. Porém percebo-me igualmente, ou até mais, um expectador de filmes e séries televisivas. Talvez em parte consequência da pressa dos tempos modernos, afinal um livro para ser de todo absorvido demora mais tempo a ser dedicado ao mesmo. Seja lá como for, tenho visto muitos filmes em diversas plataformas e mídias. Assim sendo, cá estou eu novamente a falar de cinema, mais precisamente do filme Sete Minutos Depois da Meia-Noite (2016) - atraente e quase poético título baseado no livro homônimo de fantasia juvenil escrito por Patrick Ness e publicado em 2011. 
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O filme representa bem o veio do cinema fantástico, que assim como na literatura de mesmo gênero envolve narrativas ficcionais compostas por elementos transcendentes à lógica da realidade como a entendemos. A magia e a fantasias, conjugadas a formas sobrenaturais, engendram esse intricante e cativante Sete Minutos Depois da Meia-Noite. uma verdadeira viagem imaginação a dentro frente à temática da perda e do luto. O devaneio é necessário ao humano para lidar com a indiferença fria da realidade. Não precisamos de um coelho a segui-lo para psicologicamente atravessarmos espelho rumo. A dimensão onírica dos sonhos encontra-se um pouco abaixo da superfície cognitiva de nossas consciências. como dizia o astrônomo e astrofísico Carl Sagan "a imaginação muitas vezes conduz-nos a mundo que nunca fomos, mas sem ela não iríamos a lugar nenhum". 
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O personagem central do filme, o garoto Conor O'Malley, que está em uma idade em que "é muito velho para ser criança e muito jovem para ser um adulto", vive o pesadelo da vida real onde sofre bullying escolar, uma mãe que está a morrer de câncer e uma avó que parece não lhe gostar e com quem ele não se dá bem, mas que tem em si a inventividade da imaginação para construir um amigo imaginário a partir de uma velha árvore da espécie Teixo (conhecida como a árvore da vida e da morte em cujos frutos tanto são venenosos como possuem poderes curativos) que lhe assombra em frente à sua casa. Fugir da angústia do mundo real através da fantasia é um recurso psíquico com que a mente se protege da agruras da vida. Um universo imaginário nos habita e muitas vezes nos convida a adentrá-lo. O psiquismo humano é naturalmente lúdico, imaginativo e criativo. O ser humano se desenvolve em grande parte através do potencial criativo da criança, ou como diz Winnicott "é no brincar que se constrói a totalidade da existência experencial do homem". Por meio dos processos psíquicos da imaginação vamos além ou aquém do que nos está impostamente imposto, talvez por isso que Einstein tenha dito que "a imaginação é mais importante que o conhecimento". 
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Imaginariamente podemos ser reis, sultões, príncipes e princesas, heróis, cowboys, astronautas, guerreiros imbatíveis, sedutores irresistíveis, super isso ou super aquilo. Imaginariamente podemos ser quem não somos e nunca seremos. Imaginariamente podemos até nos vingar daqueles que nos fazem mal ou transcender grandiosamente a vida medíocre que vivemos. Imaginariamente podemos ser tudo que quisermos e ter tudo o que desejamos. Imaginariamente o mundo me pertence, sou nele o senhor de todo o universo. A imaginação é fértil, graças a essa nossa capacidade psíquicas de formularmos imagens, porém a imaginação pode tanto nos fortalecer aos enfrentamentos da vida quanto nos intimidar e nos amedrontar.
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Desde nossa tenra infância a imaginação é bastante ativa psiquicamente. Quando criança vivemos mundos de fantasias, amigos imaginários e medo irreais. No filme em questão o que vemos é a imaginação do personagem juvenil a serviço do processo antecipatório de elaboração do luto e do amadurecimento precoce do jovem Connor. Ambos os lados da história (o lado dramático e o lado fantasioso) dialogam harmonicamente bem, dando ao conjunto da obra uma sensibilidade beirante ao trágico-lírico. Sutilmente tocante.
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Diz o monstro-amigo da história: "o que vê?". Responde o garoto: "nada. Há folhas impedindo". Insiste o monstro: "use a imaginação, Connor O'Malley". Então, como um lampejo, o outro mundo se descortina. Não um mundo de contos de fadas, mas um mundo de lutas, sofrimentos, perdas e superações. Como canta Toquinho:
"Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel,

Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando, contornando a imensa curva norte e sul,
Vou com ela, viajando, havaí, pequim ou istambul".

Joaquim Cesário de Mello

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