domingo, 23 de julho de 2017

Morte e Melancolia

Se o leitor  tem interesse em assistir ao filme “Não me Abandone Jamais” e  se incomoda com spoilers, recomendo que deixe a leitura desse artigo para depois. Esta não é uma recomendação minha apenas, algumas resenhas disseram que este era o tipo de filme que quanto menos se fala ou se sabe, melhor - quando li, obedeci. Deixei para ler a resenha depois.


Assisti ao filme despretensiosamente e por acaso, pensei que iria ver mais um daqueles filmes que nos provoca sono. O resultado, contudo, foi diferente - bem diferente.  Pelo contrário, tive uma leve insônia. 

Desde que assisti-lo, não consegui  chegar a uma simples conclusão: pergunto-me, gostei ou não gostei?  Continuo com dúvidas e me limitei a chamá-lo de estranho. Inclusive, seria difícil classificá-lo: Drama? Ficção? Suspense? 

Conta a história de três pessoas que conviveram desde a infância, que, como nos filmes comuns, se conheceram num reformatório  e dividiram suas paixões - próprios dos conflitos das relações triangulares - até a vida adulta. Tudo isso parece irrelevante até o momento em que se descobre que todos do reformatório são, em realidade, clones de outras pessoas e que,  invariavelmente, serão  seus doadores vivos  de órgãos. Os personagens são condenados à morte ainda jovens. A lógica  é simples: na medida em que vai surgindo as necessidades de órgãos por parte da matriz (sujeitos ocultos por todo o filme, como se vivesse num mundo paralelo), nossos heróis doarão compulsoriamente seus órgãos - em geral conseguem sobreviver até a  terceira  doação.


A tonalidade afetiva do filme varia entre a  apatia e a melancolia. Uma das alterações psicopatológicas mais importantes nos quadros depressivos graves é justamente “o sentimento de não ter sentimentos” - uma associação entre a ausência de sentimento (a apatia), a tristeza e a culpa por estar ou se sentir indiferente as pequenas tragédias cotidianas. Esse sentir de blasé que permeia o filme. Incomoda-nos sobremaneira, a passividade com que os personagens aceitam seus destinos, como se nada pudesse ser feito, sequer pensado, para interceder a nessa predestinação.

Onde está a melancolia? Na aceitação desse porvir ou na aceitação da única certeza:  da morte. Sim, somos como seus personagens: eternos doadores que garantem a nossa sucessão da humanidade. Temos, como disse Richard Dawkins, um gene egoísta, sem ética, sem índole, que desconsidera a vida particular de seus sujeitos, paradoxalmente seu habitante. Um gene ávido por saltar e jogar pra frente o ser humana. Falta-lhe contudo humanidade.  O filme desvela essa desumanidade, faz soar a nossa voz em que apelamos inutilmente perante a condição de eternos desamparados: Não me abandone Jamais.          



Marcos Creder

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